segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Felizes Festas

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Memórias


Escola particular na ASA Norte Expulsa aluna autista e é condenada a indenizar a família

A criança de 11 anos teve a matrícula cancelada, em maio de 2014, por causar “insegurança no ambiente escolar”. A família entrou na Justiça e venceu o processo por danos morais
  A pedagogia do amor é o slogan do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche, na 704 Norte. A proposta, porém, não é simples quando retirada do papel. Em 23 de maio de 2014, a escola cancelou a matrícula de um aluno de 11 anos, com Síndrome de Asperger, condição psicológica do espectro autista. Alegou “reiteradas condutas inadequadas por parte do autor” que geravam “insegurança no ambiente escolar”.
Depois da expulsão, no meio do ano letivo, os pais do aluno Amir Bliacheris iniciaram um processo contra a instituição de ensino, por danos morais. Na sexta-feira (4/12), o juíz Wagner Pessoa Vieira, da 5ª Vara Cível de Brasília, decidiu a favor do estudante e sua família. Condenou a escola, em primeira instância, a pagar R$ 20 mil em indenização. Ainda cabe recurso.
A família Bliacheris mudou-se de Porto Alegre para Brasília, em 2014, por causa do trabalho do pai de Amir, o servidor público Marcos Bliacheris. Eles já haviam morado na capital federal, anos antes, e conheciam o ensino do Colégio Logosófico. “O Amir já tinha estudado lá. A experiência tinha sido muito boa. Resolvemos matriculá-lo, só que dessa vez foi muito diferente”, relata mãe Brenda Bliacheris.
Amir, ao lado da mãe, com o pai e o irmão mais novo
Amir não havia recebido diagnóstico de autismo quando foi matriculado, mas já tinha depressão infantil e exigia atenção especial. Teve desavenças cotidianas com colegas, como uma briga em um jogo de futebol. Percebia-se que tinha sensibilidade ao barulho e não regia bem às brincadeiras entre crianças.
A escola incluiu no processo que o Amir assustava os colegas, pois era muito grande. Eu e meu marido também somos muito grandes. Ele era um dos mais novos da sala. Agora ele tem culpa por ser autista e grande?"
Brenda Bliacheris - mãe do Amir
Ele tem dificuldades de coordenação motora, mas professores exigiam que a letra dele fosse bonita. O garoto tentava. Apagava várias vezes a tarefa e refazia a escrita. Quando não conseguia o resultado esperado, perdia o controle. Depois, era chamado na direção.
Os pais contrataram uma equipe multidisciplinar para tratar o filho. Meses depois, terapeutas e psicólogos chegaram à conclusão de que Amir tinha Síndrome de Asperger. “Nosso filho foi rotulado como violento por conta de episódios isolados. Criaram um personagem intratável. Como se fosse uma ameaça a ser eliminada. Nunca lidaram com ele como um caso de inclusão. Nos oferecemos para pagar pelo acompanhamento de uma terapeuta, dentro da escola, mas a direção negou, disse que isso afetaria o ambiente escolar”, relata Brenda.
“Não havia nenhuma adaptação curricular para ele. A escola queria que ele se adaptasse, não buscou auxilio e nem aceitou o auxilio oferecido”, diz a mãe.
Além de expulsar a criança, o colégio enviou o nome dele para todos outras instituições privadas do DF. Ele não foi aceito em nenhuma outra rede de ensino"
Adriana Monteiro, advogada da família
Depois da expulsão, a família matriculou Amir em uma escola pública, na 102 Norte. Não houve problemas. Ele recebeu inclusive uma premiação como melhor aluno em história. “Os professores se esforçaram para recebê-lo da melhor maneira. Ele conseguiu se inserir e conquistou bom desempenho acadêmico. O que demostra que a negativa da escola anterior em aceitá-lo foi determinante”, afirma o pai, Marcos.
Hoje, aos 13 anos, ele vive em Porto Alegre. A família mudou-se de Brasília por não conseguir encontrar uma escola particular que aceitasse o filho. Ele frequenta o colégio em horário reduzido, devido ao trauma.
Foi um dano moral terrível para ele e para toda família. Amir ainda está sofrendo. A expulsão é uma marca que vamos carregar por muito tempo"
Brenda Bliacheris, mãe de Amir
No processo, a advogada Adriana Monteiro baseou-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que toda criança tem direito à educação. Também usou trechos da legislação brasileira, de cartilhas do Ministério da Educação e citou casos semelhantes.
Na sentença, o magistrado entendeu que “ficou evidente que a instituição não promoveu as adequações necessárias à correta adaptação e inclusão do autor, nem mesmo lhe ofereceu a oportunidade, em conjunto com seus pais e psicólogos, de estabelecer uma orientação pedagógica destinada a satisfazer suas necessidades educacionais, enquanto pessoa com Síndrome de Asperger”. Constatou também que o desligamento abrupto da escola causou “lesão aos atributos de personalidade” da criança.
A família hoje vive em Porto Alegre, onde encontrou escola adequada
Os pais de Amir iniciaram o processo para servir de inspiração para outras famílias. “É muito difícil lidar com essa situação. Muitos pais culpam a criança pelo mau desempenho na escola, outros têm vergonha. É preciso lutar por direitos até o fim, não pode deixar para lá, por mais dolorido que seja. São esses passos de formiguinha que vão gerar uma mudança de mentalidade”, diz Brenda.
O Metrópoles procurou a direção da escola, mas recebeu a informação de que a equipe está de férias. Ninguém retornou as ligações. A reportagem também procurou o advogado da instituição no processo, que afirmou não poder se posicionar em nome do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche.
Memória
Não é a primeira vez que uma família brasiliense ganha o reconhecimento da Justiça contra uma escola. Em 2010, uma professora mordeu aluno de 5 anos, na bochecha, em um colégio particular do Lago Norte. Segundo ela, teria sido a forma encontrada para separar uma briga entre a vítima e outra criança. A mãe da criança mordida iniciou ação na Justiça e recebeu indenização de R$ 30 mil, em fevereiro de 2015. A professora foi demitida após o escândalo e, em decisão judicial anterior, teve de prestar serviço comunitário num asilo. Na época, a direção tentou responsabilizar a criança, mas a culpa da escola ficou óbvia.

                                                                                                                                                                                            

FONTE:  LEILANE MENEZES

http://www.metropoles.com/vida-e-estilo/comportamento/escola-           particular-na-asa-norte-expulsa-aluno-autista-e-e-condenada-a-indenizar-familia

   

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

“Eu não espero o dia de voltar a andar para ser feliz”

"O dia 21 de agosto de 1994 mudou para sempre minha vida...
Com 26 anos, uma estrada sinuosa, um carro em alta velocidade e uma curva malfeita deram outro rumo para minha história. Depois de um fim de semana em Paraty, ao lado do meu namorado e de meu melhor amigo, acordei em um hospital com a informação de que uma fratura nas vértebras havia me tirado todos os movimentos do pescoço para baixo. Eu, que adorava esportes, corria maratonas e não tinha medo de me aventurar em absolutamente nada, tive de reaprender a tudo, inclusive a respirar. Quando consegui fazê-lo, sem a ajuda de aparelhos, a sensação de liberdade foi muito grande.
Quando se perde o que até então é naturalmente disponível, como a fala e a respiração, qualquer outra coisa parece ficar fácil. Passei meses em hospitais para me recuperar. Primeiro em São Paulo, depois nos Estados Unidos. Nessa época, minha família deixou tudo de lado para buscar o melhor tratamento possível para mim. Meu irmão foi fundamental na minha recuperação.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, não tive crises de revolta com Deus. Apenas uma coisa era possível me magoar em toda essa reviravolta: o olhar triste de meu pai ao me ver na cadeira de rodas. Só nessas horas eu pensava que aquela curva podia ter sido diferente.
Perder movimentos te obriga a encarar a vida de outra forma. Fiquei mais paciente porque preciso do outro o tempo todo. Passei a ser acompanhada 24 horas e auxiliada em todas as atividades do meu dia a dia. Mesmo assim, nunca vi a paralisia como um obstáculo. Na verdade ela foi uma grande propulsora de meus melhores feitos.
Ao voltar da minha reabilitação nos EUA, me deparei com uma realidade dura que eu passei a assistir de muito perto. As pessoas com deficiência não tinham reabilitação, transporte, saúde... Calçada decente para sair de casa. Resolvi então fundar uma ONG, o Projeto Próximo Passo (PPP), em 1997 para apoiar atletas com deficiência e fomentar pesquisas para cura de paralisias. Com o PPP eu conseguiria ajudar pessoas e resgatar uma de minhas grandes paixões: o esporte.
Lembro-me, dentre grandes conquistas da ONG, que conseguimos trazer o Dr. Semion Rochkind de Tel-Aviv, para uma integração com médicos e pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. O intercâmbio rendeu uma linha de pesquisa no laboratório de neurodegeneração da USP. Mais tarde, lutamos bravamente também pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, hoje um instrumento de estudo e para a cura de inúmeras doenças graves e degenerativas.
Nessa mesma época, minha mãe passou a insistir para que eu me candidatasse a um cargo público para ampliar meu trabalho e assim poder atingir mais pessoas - de forma concreta e direcionada. Foi assim que, sem apoio e conhecimento político, candidatei-me a vereadora e obtive votos que me garantiram a suplência.
Nesse ínterim, em 2005, fui convidada pelo então prefeito José Serra para comandar a primeira Secretaria da Pessoa com Deficiência do País. Não tínhamos orçamento na pasta, mas conseguimos impetrar um olhar para a diversidade em todas as outras secretarias da Prefeitura. Eu não tinha experiência alguma, mas tínhamos um time com muita vontade de transformar. Em apenas dois anos de atuação, conseguimos ampliar o número de ônibus adaptados na cidade, que de 300 passaram a ser 3 mil. Sem falar nos 400 quilômetros de calçadas reformadas; na criação do programa Inclusão Eficiente em parceria com a Secretaria Municipal de Trabalho, que até hoje continua empregando trabalhadores com deficiência, dentre outros projetos.
Dois anos depois, em 2007, fui eleita vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Durante meu mandato consegui aprovar quatro leis: a que cria a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para Surdocegos, a que torna Lei o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com Deficiência Física e Auditiva, o Plano Emergencial de Calçadas e o Programa Censo Inclusão.
Nesse mesmo ano, a ONG Projeto Próximo Passo expandiu e se transformou no Instituto Mara Gabrilli (IMG), com projetos robustos, inclusive buscando as pessoas com deficiência nas grandes periferias de São Paulo. Tempos depois, em 2010, com um pouquinho mais de experiência, mas a mesma vontade de transformar, me tornei a primeira deputada tetraplégica do Brasil, com a missão de legislar em nome dos mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência.
Hoje, cumprindo já o meu segundo mandato na Câmara, olho para trás e vejo que a curva não podia ser diferente. Que tudo que minha equipe e eu já conquistamos é muito maior que qualquer temor gerado por uma paralisia. Eu dignifiquei a quebra do meu pescoço desde o dia que resolvi trabalhar todos os dias para melhorar a minha vida, das pessoas e das cidades.
Tudo isso sem deixar de nenhum dia acreditar que eu posso voltar a andar. E sem esperar isso acontecer para buscar movimentos e ser feliz."
Mara Gabrilli para o Diversidade na Rua (http://goo.gl/p0Uosb)

* Mara Cristina Gabrilli (nascida em São Paulo, 28 de setembro de 1967) é uma psicóloga, publicitária e política brasileira.


FONTE:
por Laura Marcon

NEGATIVA DE MATRÍCULA SOBRE ESSA CONDUTA ILEGAL

É recorrente a conduta ilegal e atentatória praticada por escolas particulares do Brasil que têm recusado matrícula a estudantes com deficiência. Essas instituições têm dificuldades em reconhecer os benefícios da educação inclusiva e continuam presas a um conceito de deficiência ligado à ideia de incapacidade. Com isso, reforçam a discriminação, alegando inúmeros motivos sem fundamentos para não receber esses alunos. Muitas vezes, os estabelecimentos privados de ensino sequer conhecem o educando e suas potencialidades e imaginam, tão somente, as dificuldades que eles possam ter em função da deficiência.
         A escola não deveria ser o local de negação de um direito fundamental. Ao contrário, tem de ser a primeira instituição a dar o exemplo de inclusão, acolhimento e confiança nas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência, por mais que os resquícios de um passado excludente e segregador ainda estejam presentes no pensamento dos sujeitos.
          Estabelecimentos particulares são prestadores de um serviço público por meio de autorização do Estado e estão vinculados ao regime jurídico-administrativo do país. O ensino é livre à iniciativa privada, mas esta deve cumprir as normas gerais da educação nacional – como  os atos normativos previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), dentre outras legislações, bem como as portarias de autoridades administrativas competentes (Ministério da Educação, Conselhos e Secretarias de Educação). Os deveres são comuns a todos – logo, a obrigação de matricular estudantes com deficiência não cabe somente às escolas públicas, mas também às particulares.
       Como justificativa para a conduta ilegal de negação de matrícula, as escolas privadas afirmam que são regidas também pela livre iniciativa, propriedade privada e livre concorrência. Esses princípios, porém, não devem se sobrepor às normas e regras do sistema educacional brasileiro. Por essa razão, não se admite que a rede particular não cumpra as obrigações previstas pela Política Nacional de Educação Inclusiva.
 Oferta de atendimento educacional especializado
O texto constitucional, em seu artigo 208, estabelece que o Estado deve conceder atendimento educacional especializado (AEE) a alunos com deficiência, preferencialmente, na rede regular. Mas ainda há muitos equívocos na compreensão desse serviço. Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da República e procuradora regional dos direitos do cidadão no estado de São Paulo, esclarece na obra Direitos das Pessoas com Deficiência: Garantia de Igualdade na Diversidade:
 “Atendimento educacional especializado é complemento à escolarização ou educação escolar, conforme definida no artigo 21 da LDB. Nos termos desse artigo, a educação escolar compõe-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II – educação superior. A Educação Especial é modalidade de ensino, tratada na LDB em capítulo não compreendido entre aqueles que cuidam dos níveis de ensino. Como modalidade, o atendimento especializado perpassa todos os níveis de ensino, mas não se confunde com eles. Se esse atendimento especializado fosse exatamente o mesmo que escolarização, a Constituição não teria inserido a sua garantia, além do acesso aos ensinos infantil, fundamental e médio. Portanto, o atendimento educacional especializado é complemento e refere-se ao que é necessariamente diferente do ensino escolar, para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência, abrangendo, principalmente, instrumentos necessários à eliminação das barreiras que esses alunos têm para relacionar-se com o ambiente externo. Exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras), do braille, do uso de recursos de informática, e outras ferramentas e linguagens.”
       Assim, se o educando necessitar de atendimento educacional especializado, a instituição de ensino deve procurar parcerias ou implementar políticas para atendê-lo. Porém, a falta do AEE, um serviço complementar à escolarização, jamais poderá impedí-lo de frequentar a sala de aula comum.
               Muitos estabelecimentos privados alegam que não há como obrigá-los a oferecer o AEE quando não possuem estrutura física adequada e profissionais habilitados. Nesse caso, fica evidenciado o desconhecimento quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, já que a inclusão de pessoas com deficiência no sistema de ensino não se restringe ao âmbito da rede pública. As escolas particulares devem ter acessibilidade arquitetônica, disponibilizar atendimento educacional especializado e material pedagógico acessível, entre outros serviços e recursos. É fundamental destacar que, aliás, uma escola particular só pode ser autorizada a funcionar pelos Conselhos de Educação quando atende às normas de acessibilidade.
 Legislação inclusiva
      O Brasil é signatário de documentos internacionais, como a Convenção de Guatemala de 1999, ratificada e promulgada pelo decreto nº 3.956/2001, que proíbe qualquer diferenciação que implique na exclusão ou restrição de acesso aos direitos fundamentais, e a Convenção das Pessoas com Deficiência de 2006, que garante a esse público o direito de não ser excluído do sistema educacional regular.
      A legislação brasileira ainda tipificou como crime a recusa, procrastinação, cancelamento, suspensão ou cessação da inscrição de estudante em instituição de qualquer nível, etapa ou modalidade de ensino, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que tem (art. 8º, Lei nº 7.853/89), sujeito a pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Negar a matrícula e a participação de qualquer aluno com deficiência é ferir princípios arduamente conquistados e, sobretudo, destruir sonhos, negando dignidade à pessoa humana.
      A escola deve enfrentar os desafios das diferenças para se tornar um local de cooperação, de acolhimento e de desenvolvimento humano. Alguns educandos necessitam de serviços e recursos de acessibilidade que atendam a suas necessidades educacionais específicas. Essas singularidades, no entanto, não podem ser utilizadas como pretexto para se negar matrícula ou confinar pessoas com deficiência em instituições que as privem do convívio com os demais estudantes. Mesmo que existam locais com profissionais especializados, isso não impede nem substitui o direito à educação escolar comum.
    Os estabelecimentos de ensino da iniciativa privada que recusam a matrícula devem ser orientados a cumprir o que estabelece a legislação brasileira e as normas internacionais. Em caso de negativa, o Ministério Público e os Conselhos de Educação podem e devem ser órgãos articuladores que garantam o direito à educação nas instituições regulares aos alunos com deficiência. Além disso, os estabelecimentos particulares devem compreender os princípios e fundamentos da educação inclusiva, reconhecer a grandeza de uma escola aberta às diferenças e trabalhar em prol de uma educação que promova valores humanos em oposição a expressões de rejeição a todo aquele que se opõe ao padrão.

 Rosângela Machado é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e gerente de 
Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de 
Florianópolis (SC).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

SINCERICÍDIO


Outdoor em Curitiba - segunda-feira (30/11) Foto: Thais Kaniak/G1
O uso ilimitado das redes sociais a meu ver está sugerindo a substituição do relacionamento humano, pensei, depois que na madrugada do último dia do novembro molhado de Curitiba, recebi na minha fanpage a postagem de um outdoor pedindo o “fim de privilégios para deficientes”, assinado pelo “Movimento Pela Reforma de Direitos" – MRD.
Não me assustei, embora tenha arregalado os olhos para encontrar no texto a razão da piada, já que a sigla do movimento sugere mau cheiro e nada daquilo era risível.  Deve ser coisa de algum composto orgânico envelhecido, pensei. Um desses infelizes que gostam de boiar sobre tragédias.
A perplexidade, desrespeitosa e discriminatória do MRD, de tão categórica, machucou moralmente, um universo impossível de se medir de pessoas com deficiência, pais de autistas ou não, redes sociais da própria prefeitura de Curitiba, professor de publicidade amparado no Código de Ética do CONAR, entidades afins, autoridades, instituições e até políticos que surfaram na onda repudiaram. Para eles ainda é difícil crer que o eleitor já saiba saber votar.
O outdoor fez lembrar determinismos genéticos recentes dos seus autores que tem menos chances de ser felizes. Quem sabe a “criação especial” podia se encaixar como bullying coletivo, com embasamento tão convincente que todos concordariam com a pegadinha questionável do ponto de vista de autoridades que a autorizaram.
Curitiba ficou muito entristecida quando descobriu que alguns dos seus gênios da publicidade, além de especialistas em preconceitos infames, tiveram defesa em preciosos minutos de TV em rede nacional e farta mídia impressa para justificar o erro cometido pela pegadinha que o tal de MRD fez, pagos por nós curitibanos, que vistos discutidos e relatados seus efeitos não passaram de um tiro no pé.
Muitos curitibanos estão saindo de casa pela manha sem tomar café, e talvez não almoce porque seus ganhos se esvaem nas passagens de ônibus que um dia já foram bons. Caminha por uma rua e talvez não chegue à próxima esquina com as pernas inteiras pelo risco que corre enfrentando as calçadas ruins.
Muitos curitibanos começam a falar e possivelmente não consiga concluir o que pretende dizer por que não tem porta-voz.  Então, quando ouvimos que essa campanha vai continuar... É para levar a sério?
Pais de pessoas com deficiência, autistas ou não, antes de qualquer ato eles refletem, não fazem escolhas intuitivas. Reavaliam decisões por mais simples que sejam para trocar de caminho, pois já descobriram no fundo da alma que ninguém é o mesmo para sempre.
Afirmo que a peça que pediu o “fim de privilégios para os deficientes” foi lamentável. A Prefeitura vem respondendo as críticas dizendo que quem criou a campanha foram os próprios integrantes do Conselho da Pessoa com Deficiência.
Por isso, muitos recalques da vida estão sendo levados para as redes. Mensagens subliminares, falar mal disso ou daquilo nas redes sociais é péssimo, mesmo parecendo legal. O que a Prefeitura conseguiu com essa campanha foi causar mal-estar e questionamento de direitos das pessoas que mais necessitam dela.
Às vezes cometemos o sincericídio que é aquilo que a gente revela, mas não deveria, a exemplo dessa campanha que mais destruiu, e que por definição inconfessável ao invés de agregar, os resultados são muito ruins politicamente, pois, se a intenção inicial era chocar para depois apoiar os direitos dos deficientes, forneceu mais munição para os adversários políticos.
Por aí se percebe também que Curitiba independentemente das intensas chuvas dos últimos tempos, deriva há muito tempo... Abdicou de ser exemplo para outras cidades.
Triste constatação de uma cidade que até pouco tempo já foi SORRISO.
Nilton Salvador
       rosandores@gmail.com              
http://autismovivenciasautisticas.blogspot.com.br