segunda-feira, 14 de abril de 2014
UM SÓ MUNDO (Autismo: Um filme para todos)
Com o lançamento do documentário Um Só Mundo,
jornalista da Gazeta do Povo pretende esclarecer conceitos e derrubar mitos
sobre o autismo
A jornalista Adriana Czelusniak resolveu, há pouco
mais de dois anos, fazer um curso de cinema. Tinha em mente um objetivo mais ou
menos definido: pretendia utilizar os conhecimentos adquiridos, as habilidades
técnicas que viesse a desenvolver, para potencializar um projeto maior,
fundamental em sua vida: promover a conscientização da sociedade em relação ao
autismo – um transtorno neurológico, que se manifesta nos primeiro três anos de
vida de uma criança, e afeta o desenvolvimento normal do cérebro relacionado às
habilidades sociais e de comunicação.
O garoto Gabriel é um dos personagens do filme Um Só Mundo |
Desse anseio, nasceu Um Só Mundo, documentário de
27 minutos que, além de ser o trabalho de conclusão do curso, realizado por
Adriana no Centro Europeu, em Curitiba, também é mais uma forma encontrada pela
jornalista de falar sobre um assunto que lhe é muito caro não apenas no âmbito
profissional. Ela é mãe de Gabriel, um garoto, de nove anos, com autismo.
Adriana Czeluzniak |
Adriana Czelusniak fez um curso de cinema para
tratar de tema que lhe é caro
Diagnóstico tardio fez músico sofrer por não
estabelecer relações
CONTRAPONTO
Um Só Mundo também traz um contraponto: é
interessantíssimo o depoimento do músico Raphael Augusto Rocha Loures, adulto
que tem autismo. Ele foi diagnosticado muito tardiamente. Baixista, Raphael
conta que sofreu muito ao longo da vida por acreditar que eram traços de sua
personalidade a dificuldade em estabelecer relacionamentos sociais mais
duradouros, a necessidade de ficar só e a inconstância, que o levou a fazer
vários cursos universitários e abandonar todos. Desde o diagnóstico, que o
identificou como portador de uma forma mais branda do transtorno, tornou-se uma
espécie de porta voz do autismo, e sente a necessidade de dar seu testemunho.
Também foram ouvidas a psicóloga Manoela Christi
Lemos, a neuropediatra Mauren Bodanesi e o geneticista Salmo Raskin, que têm,
em suas respectivas áreas, um trabalho clínico e/ou de pesquisa também voltado
ao autismo. Seus depoimentos são esclarecedores e derrubam mitos.
Sobre o fato de ter preferido falar de um outro
Gabriel, e não de seu filho, e de ter optado por não fazer um documentário
autobiográfico, Adriana diz que ainda pretende contar sua história, seja na
forma de documentário ou de um livro. Mas ela acha que não chegou a hora.
Prefere, hoje, dedicar-se à causa do autismo.
Serviço
Um Só Mundo Documentário de Adriana Czelusniak.
Contato: uniaopeloautismo@gmail.com.
Setorista da área de Educação do jornal Gazeta do
Povo, Adriana vem, sistematicamente, fazendo reportagens sobre o autismo, com o
objetivo de aumentar o esclarecimento da população sobre o transtorno, e busca
explorar diversos aspectos da questão. Desde o cotidiano das famílias, que
muitas vezes não sabem – ou não conseguem – lidar com o diagnóstico, muitas
vezes por falta de informações e apoio, até o despreparo das instituições de
ensino e dos serviços públicos e privados, incapazes, por vezes, de dar ao autista
a atenção, os tratamentos e as oportunidades de que tanto necessita.
Todos os anos, com a proximidade do dia 2 de abril,
Dia Mundial de Conscientização do Autismo, Adriana faz questão de produzir uma
grande matéria, explorando o tema, buscando novos ângulos. Mas, neste ano, essa
data teve um gosto especial: ela pôde apresentar, em um evento realizado no
Salão de Atos do Parque Barigüi, Um Só Mundo, que alcançou repercussão muito
positiva, despertando interesse maior do que ela esperava. “Muita gente queria
ver e ter uma cópia do documentário.”
Identificação
Para a jornalista, o filme, por contar com recursos
de imagem e som, acaba tendo a possibilidade de não apenas sensibilizar mais o
público, mas de trazê-lo mais para perto, estabelecendo vínculos de
identificação com o que está sendo exibido na tela.
Realizado graças à parceria estabelecida com
colegas de curso, especialmente o cinegrafista e editor Adriel Graff e Timóteo
Paulino, Um Só Mundo tem como personagem central outro Gabriel, que não é o
filho de Adriana. Trata-se de um garoto que também frequenta o Centro Conviver,
voltado ao atendimento educacional de crianças que têm autismo. “Mas cheguei à
família, na verdade, pelo grupo União de Pais pelo Autismo, que é uma
associação da qual sou uma das fundadoras.”
O filme acompanha momentos do dia a dia de
Gabriel, que tem um comprometimento severo que o impede de falar, o que
dificulta muito a sua comunicação. São comoventes os depoimentos de seus pais,
o empresário Alessandro Ilkiu e Mariléa Bittencourt Ilkiu, que teve de deixar
de trabalhar para cuidar exclusivamente do filho.
Eles falam sem rodeios sobre o preconceito que
ronda a doença, decorrente do desconhecimento, da falta de informação. “Muitos
acham não educamos o Gabriel direito, e por isso ele é assim, agitado”, diz
Alessandro.
FONTE:
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1461730&tit=Um-filme-para-todos
Publicado em 14/04/2014
| Paulo Camargo
quinta-feira, 10 de abril de 2014
O universo do estudante autista
Colagem do autista Eros Daniel (8 anos) |
No último dia 2 de abril, foi comemorado o Dia
Mundial de Conscientização do Autismo. A data, decretada desde 2008 pela
Organização das Nações Unidas (ONU), foi comemorada pelo seu sexto ano seguido
para pedir mais atenção ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estima-se que,
das cerca de um milhão de pessoas diagnosticadas com autismo no Brasil, apenas
100 mil recebem algum tipo de tratamento.
O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado
por problemas que afetam o interação social, a capacidade de comunicação e
implicam em um padrão restrito de comportamento, afetando a fala, os movimentos
do corpo, o interesse por amizades, a vida social e até as emoções. O autismo
pode variar entre diferentes graus. Nos limites dessa variação, há desde casos
graves, com sérios comprometimentos no cérebro, a quadros mais leves, como a
Síndrome de Asperger.
"A síndrome de Asperger é um nível mais leve
de autismo, onde as crianças não têm tanto comprometimento na fala, pelo
contrário, elas se comunicam, conseguem se expressar. Há, às vezes, interesses
restritos a objetos específicos, quase uma fixação. No autismo mais moderado,
primeiro é preciso estabelecer o contato, pegar no rosto, chegar próximo, pedir
para olhar nos olhos, colocar algo na mão. Há mais dificuldade de interação. O
nível severo é mais complicado. Pode haver comprometimentos físicos e é mais
difícil haver uma troca, uma interação", explica Priscila Maria Romero
Barbosa, especialista em educação especial e coordenadora do projeto de
inclusão no colégio Esil Educacional.
O diagnóstico de autismo baseia-se na história de
vida do paciente, no comportamento observado em diversas situações e em testes
educacionais e psicológicos. Os primeiros sinais podem ser vistos em crianças
de oito a dez meses de idade, que tendem a ser mais passivas, mais difíceis de
acalmar ou até mesmo não reagirem quando alguém chama seu nome. Por volta de um
ano de idade, essas crianças chegam a apresentar prejuízos de orientação ao
estímulo social. Esses sinais podem e
devem ser observados pelos pais, para facilitar o diagnóstico.
"Os pais podem fazer o diagnóstico a partir do
momento que a criança nasce, começando a observar se há algo diferente, por
exemplo: a criança não olhar nos olhos, apresentar dificuldades para mamar. Até
se aquele aconchego no colo da mãe, que é comum aos recém-nascidos, estiver
diferente, é bom procurar um neurologista porque pode ser um sintoma",
alerta Priscila.
É importante que o diagnóstico seja feito antes dos
três anos de idade para minimizar o isolamento, a dificuldade de comunicação, e
o comportamento agitado, desatento e algumas vezes agressivo. Os sintomas
normalmente permanecem com a pessoa durante toda sua vida. Por isso, a
intervenção precoce pode fazer grande diferença no desenvolvimento da criança,
se trabalhada com sabedoria e responsabilidade por especialistas.
"Trabalhamos muito com o concreto para
desenvolver o conhecimento nas crianças autistas. Só a audição, só o diálogo
não funciona. Usamos muito do visual e do manual para estabelecer interação.
Pegar algum objeto e colocar na mão da criança facilita o aprendizado dela.
Além disso, temos psicólogos, fonoaudiólogos, mediadores educacionais e
psicomotricistas para ajudar no desenvolvimento dessas crianças", conta
Priscila Romero.
Escolas têm papel decisivo no desenvolvimento do
autista
Lucas Benigno tem 13 anos e é portador do
transtorno do espectro autista. O menino estuda no colégio Esil Educacional.
Para sua mãe, Viviane Benigno, a escola é a grande responsável pelo desenvolvimento
de Lucas.
"O Lucas foi para o Esil com 8 anos. Ele se
sente totalmente em casa. O Lucas chegou e no primeiro dia parecia que já
conhecia a escola. Acho que eles, os autistas, têm esse sentido apurado para
perceber quem gosta deles e quem os quer bem", conta Viviane, que
desmistifica a questão dos autistas não gostarem de toques. "O Lucas gosta
da turma, mas tem um carinho todo especial com uma amiga, que também é autista.
Eles se abraçam e se gostam muito."
Segundo a mãe de Lucas, o diagnóstico do menino foi
feito cedo e isso facilitou seu tratamento. "O Lucas é o que chamam de
autismo secundário, foi diagnosticado aos quatro anos. Ele teve síndrome de
west aos 6 meses. Ficou em crise por mais
dois meses, mas não teve nenhuma sequela neurológica, apenas algumas
lacunas, com a questão da comunicação e a escrita, mas ele está desenvolvendo e
melhorou muito nos últimos anos."
Lucas, hoje, está no 4° ano do ensino fundamental
e, junto com o acompanhamento de uma mediadora em sala de aula, segue com seu
tratamento, sempre estudando, para não atrasar o desenvolvimento. "O Lucas
é muito tranquilo, muito calmo. Nunca teve irritabilidades muito grandes. Tem
uma boa comunicação, fala bem. Tem contado histórias e relatado fatos, além de
gostar muito de computador. Ele já está escrevendo e lendo. Em sala de aula é
normal. O que acontece é que quando o limite dele está chegando ao fim, ele tem
a opção de ir para o computador, fazer o que ele gosta", diz Viviane.
Evolução do aluno é maior quando profissionais são
especializados
Cada fase do desenvolvimento da criança autista
apresenta necessidades peculiares. Na pré-escola, a evolução da coordenação
motora e a capacidade de adaptação ao grupo são fundamentais. Na alfabetização,
dificuldades podem requerer intervenção de fonoaudiólogo e psicopedagogo. Com o
início da adolescência, no entanto, novas dificuldades podem surgir e exigir
outras prioridades para estimular o desenvolvimento.
A intervenção comportamental, a terapia ocupacional
e a fonoaudiologia estão, normalmente, integradas ao programa educacional.
Profissionais especializados são indispensáveis para esse conjunto de forças
que garantirá um tratamento adequado à criança.
Viviane Soutelinho é professora de Educação Física
e psicomotricista. Sua função é estudar, avaliar, prevenir e tratar o indivíduo
na aquisição e no desenvolvimento de transtornos psicomotores. "A
psicomotricidade vai trabalhar, basicamente, com a livre expressão; com a
linguagem corporal. O que eu faço, normalmente, é um trabalho com jogos,
através de brinquedos e as crianças é que vão criando. Eles trazem suas
habilidades e perspectivas e eu entro com a dinâmica e o aprendizado."
De acordo com Viviane Soutelinho, a livre expressão
é o carro-chefe para o aprendizado porque é a linguagem da criança. Para o
autista conseguir transformar, criar e imaginar depende de um jogo lúdico.
"Eu trabalho com as inteligências deles. Começo com o que eles gostam e
depois vou inserindo os exercícios. Com isso consigo exercitar a linguística, o
raciocínio lógico, a inteligência musical, interpessoal. Sentimentos também são
trabalhados, como alegria, raiva e tudo o que eles sentem pelo outro. Tudo
sempre se forma bem lúdica", descreve.
O mediador escolar, como é conhecido o profissional
responsável por acompanhar e auxiliar na inclusão das crianças com necessidades
educacionais especiais, além de proporcionar aos alunos atenção
individualizada, trabalha com eles aspectos do comportamento, habilidades sociais,
comunicação e linguagem. Beatriz Rocha, ao contrário de boa parte dos
mediadores escolares, é contratada pela escola na qual trabalha, o Esil
Educacional. A profissional conta que media para um aluno autista e para uma
menina com síndrome de down. Para ela, a função é gratificante e sem muitas
dificuldades.
"Minha aluna com síndrome de down, por
exemplo, é muito geniosa, às vezes não participa junto ao grupo, mas, quando
quer, fala e se expressa muito bem. Ela gosta muito de música e de histórias,
então uso desses artifícios com ela. É sempre bom conhecer o aluno e saber o
que ele gosta, para usar disso no aprendizado", conclui.
Solange Gomes, por sua vez, é mediadora particular,
contratada pelos pais de seu aluno. O menino do qual Solange é cuidadora tem
transtorno opositivo desafiador (TOD). No caso de Solange, o trabalho é manter
o foco da criança. "O caso do meu aluno, que tem TOD, é que ele perde
muito o foco, então tenho de estar sempre perto para trazer a atenção dele de
volta a aula. Às vezes ele tem crises fortíssimas. Fora isso não tenho
problemas. Ele é agitado e inquieto, mas muito inteligente."
Psicomotricidade e apoio pedagógico como
estratégias
Independente dos níveis de autismo, o diagnóstico
precoce do transtorno pode facilitar e ajudar no desenvolvimento da criança,
desde que essas habilidades sejam identificadas e estimuladas de forma
inteligente. Esse passo, muitas vezes, não depende apenas dos pais, mas,
sobretudo, da escola e de sua qualidade pedagógica.
Visando a dar maior respaldo às crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais, o colégio Esil Educacional um projeto
em parceria com o Instituto Pertencer, que busca fortalecer a inclusão a partir
de um posicionamento pedagógico sócio-interacionista. "Nossa escola sempre
se posicionou cientificamente como uma escola interacionista e
socioconstrutivista. No momento em que nos posicionamos assim, nossa filosofia
faz valer o seguinte: olhar cada aluno em suas peculiaridades e, a partir
disso, adotar uma pedagogia diferenciada" salienta a diretora da colégio
Esil Educacional Débora Dias Gomes.
A instituição existe há 33 anos, tem duas unidades
- uma na Tijuca e outra na Penha - e conta com cerca de 250 alunos da educação
infantil ao 9° ano do ensino fundamental. Cerca de 30% desse quadro são alunos
de inclusão. Além de crianças com transtorno do espectro autista, o Esil
Educacional tem alunos com síndrome de down, transtorno opositivo desafiador
(TOD), transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dentre outros distúrbios.
A diretora da escola, no entanto, pontua que sua instituição é de todos e para
todos.
"Nosso projeto de inclusão existe há 10 anos e
sei que inclusão pressupõe diversidade em sala de aula, então temos todos os
perfis de alunos na escola, dentre alunos de inclusão e neurotípicos. Não somos
uma escola 100% de crianças especiais, mas nosso quadro de inclusão também não
é pequeno. Somos uma escola que naturalizou-se como inclusiva por ter uma
filosofia sócio-interacionista. Inclusão só é inclusão quando não exclui
ninguém", ressalta a diretora.
Para atender a demanda por vagas, o Esil
Educacional tenta adequar sua estrutura para receber todos os alunos. Entre
funcionários, professores e corpo pedagógico, há, ainda, a preocupação em
oferecer salas de recurso e um planejamento pedagógico adequado às necessidades
dos estudantes com necessidades especiais. "Construímos um plano de ação
praticamente personalizado para cada criança, com atividades complementares,
como a psicomotricidade e o apoio pedagógico, por exemplo. Sabemos que os
autistas têm suas características, suas peculiaridades, pois isso construímos
contextos para nos aproximarmos deles", diz Débora Dias Gomes.
FONTE:
Juliana Britto
http://www.folhadirigida.com.br/fd/Satellite/educacao/reportagens-especiais/O-universo-do-estudante-autista-2000071723419-1400002102372
terça-feira, 8 de abril de 2014
Pesquisador enfoca bioquímica do autismo
|
O bioquímico Ricardo E. Dolmetsch lidera uma grande
mudança nas pesquisas sobre autismo, deixando de lado questões comportamentais
para enfocar a biologia e a bioquímica celular. Dolmetsch, 45, fez a maior
parte de suas pesquisas na Universidade Stanford, na Califórnia, mas tirou
licença para trabalhar no Instituto Novartis de Pesquisas Biomédicas, em
Cambridge, Massachusetts.
“As empresas farmacêuticas
possuem recursos financeiros e organizacionais que me permitem fazer coisas
que, como acadêmico, não estariam ao meu alcance”, explicou. “Quero realmente
encontrar um medicamento.”
Abaixo, uma versão condensada da entrevista feita
com Dolmetsch.
P. Você começou sua vida profissional estudando a
bioquímica do autismo?
R. Não. No pós-doutorado, fiz pesquisas básicas
sobre os canais iônicos nas membranas celulares. Então, por volta de 2006, meu
filho, que tinha quatro anos na época, recebeu o diagnóstico de autismo. Já
suspeitávamos disso. Ele fazia várias coisas que eram muito incomuns.
P. Em vista dos sinais, por que você esperou tanto
tempo para buscar um diagnóstico?
R. Pensava que meninos eram assim mesmo. Depois de
algum tempo, os professores dele disseram: “Vocês deveriam levá-lo a um
médico”.
Descobri que o autismo é uma série de doenças. Após
muitos meses confusos, finalmente ouvimos o diagnóstico “autismo”. Minha reação
imediata foi: “Vou fazer tudo para ajudá-lo”.
Descobrimos então que não havia muitas coisas
médicas que pudessem ser feitas. Há abordagens comportamentais que podem
melhorar as coisas, mas nenhuma delas é uma cura. A partir do momento em que
entendemos isso, comecei a mudar o rumo de meu laboratório para direcioná-lo a
estudos sobre autismo e doenças do desenvolvimento neural.
P. Então o destino escolheu o tema de suas
pesquisas?
R. Não acredito no “destino”. Houve motivação.
Comecei a ler e percebi que a grande mudança isolada que poderia fazer avançar
as pesquisas sobre autismo era a revolução genética. Porque, com ela, hoje
podemos identificar mutações genéticas associadas às doenças do desenvolvimento
neural.
Existem cerca de 800 mutações diferentes associadas
ao autismo. O que falta, na maioria dos casos, é uma compreensão do que fazem
essas mutações, para que então possamos alterar a biologia molecular das
células do sistema nervoso para fazer com que funcionem mais normalmente. Para
obter os melhores resultados, é preciso estudar tecidos humanos.
Isso me fez pensar no câncer, no qual houve uma
revolução no tratamento. No caso do câncer de mama —que, como o autismo, não é
uma só doença—, o tumor é molecularmente caracterizado para ajudar os
oncologistas a entender qual câncer você tem e que tipo de tratamento
funcionará contra ele. Poderíamos encontrar algo semelhante para as doenças do
desenvolvimento neural?
P. Não há como obter amostras de tecido cerebral
de crianças autistas vivas. Esse é um obstáculo?
R. Sim. Mas há como contornar o problema. Shinya
Yamanaka (que recebeu o Prêmio Nobel em 2012) reprogramou células
dermatológicas humanas para que se tornassem células-tronco e, assim, células
de vários outros tipos, incluindo as células do sistema nervoso. Graças a ele,
hoje podemos fazer neurônios que se parecem com os neurônios de um embrião
humano. Se pudéssemos pegar células da pele de uma criança autista e
convertê-las em neurônios, poderíamos entender o tipo de autismo que a criança
tem e que tratamentos químicos poderiam ajudá-la.
P. Você faz trabalho em campo com pacientes reais.
Por que?
R. É possível obter muitas informações conversando
com os pais de pacientes. Estou convencido de que a pesquisa é mais eficaz
quando partimos dos pacientes. Outra coisa é que o encontro com as famílias é
motivador. Há uma diferença enorme entre trabalhar sobre alguma espécie de
mutação e realmente encontrar uma pessoa afetada por essa mutação.
Fonte:
Por CLAUDIA DREIFUS
Ciência
07.04.2014
Estudo avalia sensibilidade de protocolo na detecção de autismo
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Um estudo em andamento no
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) busca avaliar se
um instrumento conhecido como Indicadores Clínicos de Risco para o
Desenvolvimento Infantil (IRDI) pode ajudar profissionais de saúde da atenção
básica a identificar sinais iniciais associados a transtornos do espectro do
autismo (TEA).
Resultados preliminares da pesquisa, coordenada
pelo professor do IP-USP Rogerio Lerner no âmbito de um acordo de cooperação
entre a FAPESP e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), foram
apresentados durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil,
realizado em março na FAPESP .
“Os resultados são bastante promissores no sentido
de indicar a sensibilidade do IRDI a quadros de autismo. Nossa amostra ainda é
pequena, mas estamos trabalhando para aumentá-la”, afirmou Lerner.
O protocolo IRDI foi desenvolvido entre os anos de
2000 e 2008 pela equipe multicêntrica de especialistas que integraram o Grupo
Nacional de Pesquisa (GNP). Coordenada pela professora do IP-USP Maria Cristina
Machado Kupfer, a pesquisa foi realizada a pedido do Ministério da Saúde e
contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e da FAPESP.
Com base em pressupostos teóricos psicanalíticos
sobre a constituição psíquica de crianças com até 36 meses, o grupo desenvolveu
e validou 31 indicadores clínicos para a detecção de sinais iniciais de
problemas psíquicos do desenvolvimento infantil observáveis nos primeiros 18
meses de vida.
“O IRDI foi requerido pelo Ministério da Saúde para
ser incorporado na caderneta da criança e servir de apoio a pediatras e demais
profissionais da atenção básica nas consultas de puericultura. Foram listados
31 indicadores de saúde, que expressam situações favoráveis ao desenvolvimento
do bebê. A ausência de um ou mais indicadores pode sinalizar problemas de
desenvolvimento”, explicou Lerner.
O protocolo é um dos instrumentos presentes nas
Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do
Autismo do Ministério da Saúde, acessível pelo link
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/viver-sem-limite/nova-cartilha-2013.
O instrumento é composto por itens que podem ser
observados e obtidos por meio de perguntas como: “A criança procura ativamente
o olhar da mãe?”, “A criança reage (sorri, vocaliza) quando a mãe ou outra
pessoa se dirige a ela?" e “Durante os cuidados corporais, a criança busca
ativamente jogos e brincadeiras amorosas com a mãe?”.
Embora o IRDI tenha sido concebido visando ao
contexto de promoção universal da saúde e não tenha a finalidade de
diagnosticar uma doença específica, esta pesquisa do IP-USP (uma dentre várias
envolvendo o instrumento) busca verificar se ele teria sensibilidade para discriminar
quadros de autismo, o que seria vantajoso do ponto de vista de saúde pública,
afirmou Lerner.
“Temos instrumentos específicos para o diagnóstico
de autismo, mas, se pensarmos em escala populacional, é melhor ter instrumentos
inespecíficos com sensibilidades conhecidas. Imagine a dificuldade de aplicar
em uma população de 200 milhões de habitantes um instrumento diferente para
cada condição que pode acometer a criança”, ponderou.
Grupo de risco
Até agora os pesquisadores da USP aplicaram o
protocolo em um grupo de 40 crianças de até 18 meses – sete consideradas com
risco de autismo em decorrência de aplicação de um instrumento para tal
rastreamento e 33, do grupo controle.
“A ideia é verificar se o instrumento é capaz de
destacar as crianças com risco de autismo das demais. Nós buscamos avaliar
irmãos de crianças que já têm o diagnóstico, pois a doença é de alta
herdabilidade. A chance de nascer um bebê com o transtorno em uma família que
já tem uma criança com autismo pode chegar a 20 vezes à de uma família sem
casos anteriores”, explicou Lerner.
A pesquisa vem sendo realizada em unidades da
Secretaria Municipal de Saúde de Embu, no Hospital Universitário da USP, no
Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, no Centro de
Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo
(Cria-Unifesp) e em 13 Centros de Atenção Psicossocial à Infância (Capsi) do
município de São Paulo.
“Os resultados são ainda preliminares, mas muito
promissores. Temos observado que, quando a criança apresenta um risco que não é
relacionado ao desenvolvimento de autismo no futuro, ela tem pouco indicadores
ausentes. Quando o risco está associado a um quadro de autismo, o número de
indicadores ausentes é muito maior”, contou Lerner.
O pesquisador ressaltou, no entanto, que a amostra
avaliada ainda não é suficiente para mensurar em termos estatísticos um índice
de sensibilidade do instrumento. O objetivo do grupo é aplicar o IRDI em pelo
menos 30 crianças com risco de autismo.
Ainda segundo Lerner, a pesquisa também teve o
objetivo de usar o IRDI para sistematizar uma proposta de educação permanente
de profissionais de enfermagem de unidades básicas de saúde e agentes
comunitários do então Programa de Saúde da Família (PSF) – atualmente
Estratégia Saúde da Família (ESF) – para a detecção, em consultas de rotina, de
sinais iniciais de problemas do desenvolvimento.
“A reação desses profissionais de saúde ao IRDI tem
sido muito boa. Eles referem que o protocolo ajudou a entender sinais que já
observavam, mas não conseguiam dar significado, pois não compreendiam a
importância deles para o desenvolvimento infantil. Quando o profissional tem
esse conhecimento, adquire condições de fazer uma orientação para o
desenvolvimento do bebê”, disse Lerner.
A ideia, segundo o pesquisador, é que, caso seja
detectado um sinal inicial de problema, uma avaliação mais aprofundada seja
feita pelo profissional da atenção básica. Se for observada uma condição
adversa ao desenvolvimento do bebê, a família deve ser encaminhada para uma
intervenção precoce. “Não é preciso chegar a um diagnóstico consolidado para
iniciar a intervenção”, defendeu Lerner.
Parte dos dados levantados até o momento foi
divulgada em artigos publicados nas revistas Psicologia: Ciência e Profissão e
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental.
FONTE:
http://agencia.fapesp.br/18878
Assinar:
Postagens (Atom)