Este texto é uma reflexão natalina. Um aprendizado.
Quanto mais leio para meus filhos sobre o “menino”
Jesus e toda sua sabedoria, mais a identifico dentro da minha própria casa.
Não apenas os discípulos, mas todos que o
conheciam, chamavam o menino Jesus de mestre.
Mestre não é um titulo que alguém pode atribuir a
si mesmo. O mestre nasce da capacidade do interlocutor de reconhecer a
sabedoria quando entra em contato com ela.
O mestre, para existir, por mais sábio que seja,
depende da humildade daqueles ao seu redor de se reconhecerem numa posição de
inferioridade, de aprendiz.
(E é assim que me sinto. Humilde e extremamente
feliz de dividir meu dia a dia com uma criança que ilumina e engrandece todos
ao seu redor)
Todos ja me viram falar publicamente que me sinto abençoado
e extremamente feliz por ter sido escolhido por Deus para ser pai de uma
criança autista, ou como eu prefiro dizer, o guardião de um anjo. O meu Romeo.
Sempre que faço algum post, aparecem centenas de
pais comentando e dividindo o mesmo sentimento de gratidão. Como se fosse um
clube que, quem não faz parte, secretamente agradece e não consegue nem começar
a entender pq aquelas pessoas são tão gratas por fazerem parte dele.
Afinal, como que, na pratica, meu filho me faz
tanto bem? Como uma criança que, aparentemente, tem dificuldades consegue me
ensinar?
Como falei acima, parte da minha capacidade de
identificar a sabedoria e transforma-la num aprendizado.
Vou contar o que aconteceu este Natal e qual foi a
lição que ele nos deu.
Como de costume, pelo fim de Novembro, minha
esposa, Suzana, e eu juntamos os tres para fazer a carta do Papai Noel.
– “Eu quero infinitos Legos!”, disse o Stefano.
– “Calma que ja tenho minha lista separada em
imagens no ipad”, disse Doninha, lembrando da quantidade razoavelmente grande
de presentes que ja tinha separado entre borrachas da Hello Kitty e um tenis da
Nike, alem de varias coisas de menina de marcas que ela gosta.
Resumindo? Duas listas extensas e extremamente
comuns para crianças que convivem num mundo tecnológico, repleto de marcas, com
demandas que eu considero ridículas de consumismo. Propagandas em todo lugar,
aquela maldita sensação, que eu odeio, causada na escola que é necessário ter
pra existir. Sensação que lutamos muito contra em casa enchendo as crianças de
auto confiança, dando “centro” pra elas saberem que o que interessa na vida não
são as coisas que o dinheiro compra, mas que, por motivos óbvios, sempre cerca
qualquer criança hoje em dia. Ainda mais na época do Natal!!
Até que chegamos no Romeo e indagamos o que ele
gostaria de ganhar do Papai Noel.
“Uma escova de dentes azul”.
E agora chegamos no ponto crucial desse texto.
Se você da risada com essa resposta e pensa que o
menino autista realmente esta fechado no seu mundo e não conecta com a
realidade, que é filho de um artista de tv, que poderia pedir qualquer coisa no
mundo que ganharia e, burro, pediu só uma escova de dentes azul, esse texto não
vai fazer sentido algum pra você. Pode parar por aqui. Você não consegue
identificar um ensinamento quando se depara com um.
Suzana e eu, instantaneamente ficamos emocionados
com aquela resposta. Ao meio de tanto consumismo, numa época que virou símbolo
de consumismo, nosso mestre, sem saber, sem ter a consciência externa do que
estava fazendo, afinal sua sabedoria é nata, é orgânica e instintiva, colocou
nossos pés no chão, nos remontando com os verdadeiros valores do Natal.
O que realmente vale nessa vida? Essas coisas
materiais vão com o tempo, quebram, ficam velhas e obsoletas tornando-se um
lembrete vivo e constante de dinheiro que jogamos pela janela adquirindo
valores que não interessam.
Não serei hipócrita e dizer que não é saudável
comprar brinquedos e presentes. Não é isso. Sou totalmente a favor de usar o
ato da compra material como recompensa e até como educação, inclusive de
valores morais, mas fato é que existe um grande exagero nas proporções que o
consumismo tomou hoje em dia, como mencionei explicando os pedidos dos meus
outros filhos.
Ainda perguntamos pra ele se não queria mais nada,
um bichinho de pelúcia que ele adora, um ipad novo que, para quem não sabe, é
uma das ferramentas mais poderosas de comunicação dos autistas com o mundo
exterior, mas ele foi categórico: “uma escova de dentes azul. É isso que eu
quero ganhar do Papai Noel”.
Até que finalmente chegou o dia do Natal. Fizemos a
comemoração da véspera, deixamos os cookies feitos em família na varanda para o
bom velhinho e todos foram dormir muito ansiosos com a visita do Papai Noel na
madrugada.
Não preciso dizer que 5:00 am ja ouvi Tefo rasgando
papel de presente! rs.
Levantamos para acompanhar e viver com eles todo
esse momento magico que tem data de validade, pois a crença real no Papai Noel
não é eterna e, hoje em dia, acaba cada vez mais cedo. E enquanto Tefo e
Doninha pareciam dois demônios da tasmânia envoltos em presentes e embrulhos,
abrindo mais um e mais um e mais um, Romeo assistia de longe com um certo grau
de tensão no ar.
“O Papai Noel trouxe minha escova de dentes azul?”
ele perguntava sentindo o que eu identifiquei como medo de frustração! Uma real
incerteza se ganharia aquele único e tão valioso presente. Lembrem que isso foi
na manhã do dia 25, quase 2 meses depois do dia que escreveram as cartas e essa
ainda era sua única vontade, seu único desejo de Natal.
Conduzi Romeo até arvore e o deixei identificar o
presente com seu nome!
Fico emocionado ao lembrar, mas ele abriu o
embrulho com uma expectativa tão grande, uma ingenuidade e um doutorado em
desapego que, quando o ultimo pedaço de papel revelou sua escova de dentes
azul, ele foi tomado de emoção!! Abaixou a cabeça num alivio e se atrapalhou de
tão forte que essa emoção veio.
Sim, ele chorou.
Chorou de alegria, inundado pela mais pura e bela
emoção! Eu e Suzana choramos juntos.
Tão pouco…um presente tão simples…e ai me deu o
estalo. Mestre!
Entendi que era algo muito maior do que uma simples
escova de dentes. Ali, naquela emoção, naquela pureza, naquela humildade e,
acima de tudo, naquele desapego, tive a maior lição de Natal da minha vida.
Obrigado Mestre, por mais uma. Te amo.
Marcos Mion escreveu um texto em seu Facebook revelando detalhes da convivência com seu filho Romeo (9), que é autista.