sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Cidade fluminense vira "meca" no tratamento de autismo no Brasil


Berenice Piana, microempresária e ativista da causa do autismo, com o pequeno Fabiano e sua família, na Clínica-Escola de Itaboraí
Berenice Piana, microempresária e ativista da causa do autismo, 
com o pequeno Fabiano e sua família, 
na Clínica-Escola de Itaboraí
Nem São Paulo, nem Rio de Janeiro, nem tampouco uma outra grande cidade do país. O principal núcleo de conscientização, tratamento e inclusão de pessoas com autismo no Brasil é uma cidade fluminense de pouco mais de 200 mil habitantes. Itaboraí é berço da Clínica-Escola do Autista, um projeto público pioneiro que visa, sobretudo, a integração de crianças e adolescentes autistas ao ensino regular, por meio de um tratamento multidisciplinar oferecido por alguns dos profissionais mais gabaritados da área no país.
A implementação do projeto na cidade cumpre, na prática, determinações previstas na Lei 12.764, de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista em todo o país. Sancionada a partir de um projeto popular, via Legislação Participativa, a lei ganhou o nome de uma das maiores ativistas da causa no Brasil, Berenice Piana, responsável, também, pela idealização da Clínica-Escola no município fluminense.
A batalha de Berenice Piana
Berenice Piana é mãe de uma pessoa com autismo, Daylan, hoje com 21 anos. Seu ativismo iniciou-se no momento em que teve o diagnóstico de seu filho e percebeu a inexistência de políticas e conhecimento sobre o assunto no país. O que sobrava, segundo ela, era o preconceito. "Eu entendi que a luta por políticas públicas tinha que começar, porque ninguém falava de autismo em lugar nenhum", afirma.

A nova lei fez com que o autista, enfim, fosse reconhecido como uma pessoa com deficiência. "O autista vivia num limbo, não era nem uma pessoa neurotípica e também não era uma pessoa com deficiência. Não tinha nenhum direito e todas as obrigações".
Berenice Piana, idealizadora da Clínica-Escola de Itaboraí,
 e seu filho autista, Daylan
Vencida a primeira batalha, chegava a hora de tirar a lei do papel - era a vez de construir a Clínica- Escola. Em janeiro de 2013, menos de um mês depois de a lei ter sido sancionada, Berenice Piana tratou da criação da escola com o prefeito de Itaboraí Helil Cardozo (PMDB) recém-empossado no cargo. A escola foi inaugurada um ano depois.
Hoje, vão para a cidade pacientes e também comitivas de diversos municípios à procura de instruções de como desenvolver programas semelhantes. "Aqui virou uma 'meca do autismo'. Toda semana tem visita de fora, de Estados diferentes, porque querem implementar nas suas cidades", diz Berenice, apontando exemplos como Santos (SP), São Gonçalo (RJ) e Campo Grande (MS), como locais que pretendem implantar clínicas-escolas públicas. Em Itaboraí, uma nova Clínica-Escola está em obras, em uma parceria da Prefeitura com a iniciativa privada. Totalmente gratuita, também.
A Clínica-Escola do Autista de Itaboraí
A Clínica-Escola do Autista de Itaboraí é a única instituição pública do país --clínicas-escolas particulares chegam a custar até R$ 12 mil por mês --que oferece um tratamento multidisciplinar, contando com neurologistas, neuropediatras, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. O diagnóstico precoce e orientação aos familiares são outros trunfos do projeto. O foco principal, no entanto, é a inclusão das crianças e adolescentes no ensino regular.
Uma vez na Clínica-Escola, o autista recebe o tratamento para o possibilitar a frequentar, também, o ensino regular. E os professores da rede municipal, que irão acompanhá-los no dia a dia escolar também recebem um treinamento específico para tal propósito na Clínica-Escola. Caso não tenha condições de ser integrado ao ensino regular, o aluno continua estudando exclusivamente na Clínica-Escola.
"Dos 119 autistas sendo tratados aqui no momento, apenas 13 frequentam exclusivamente a Clínica-Escola, porque os outros já estão na inclusão", conta Berenice. "Então eles passam pela Clínica-Escola, são avaliados. Se ele já está na inclusão, ele continua na inclusão. E nós chamamos o mediador, o acompanhante especializado, e trazemos na Clínica-Escola para preparar esse mediador, esse acompanhante, porque às vezes ele chega lá e não sabe nada de autismo."
Coordenador terapêutico da Clínica-Escola, Eugênio Cunha diz que a tarefa deles é dar autonomia, habilidades sociais, e ao mesmo tempo trabalhar a questão pedagógica, de alfabetização, letramento, para que depois eles tenham condições de ingressar em uma escola regular. Ele ressalta a importância da parceria da Clínica-Escola com a rede pública de ensino para que a política de conscientização, tratamento e inclusão do autista seja bem-sucedida na cidade.
Seis línguas, quatro graduações: uma professora autista na Clínica-Escola
A coordenadora pedagógica da 
Clínica-Escola do Autista de Itaboraí, 
Gisele Nascimento
Vale lembrar que crianças autistas têm dificuldade de interação social e de comunicação, incluindo a parte de contato visual. E têm uma rotina de comportamentos repetitivos. Isso a diferencia bastante de uma criança que é 'só na dela'. Essa criança tímida se relaciona, responde quando é chamada, atende a solicitações, mantém uma conversação, mantém um contato social com o olhar, com a procura. Enfim, gosta desse contato tátil que algumas crianças autistas têm certa dificuldade de estabelecer.
Se o trabalho de formação dos terapeutas fica a cargo de Cunha, a formação dos professores que atuam na Clínica-Escola é feita por uma profissional que também é autista. Gisele Nascimento tem Síndrome de Asperger, transtorno compreendido dentro do espectro autista que caracteriza-se por uma inteligência acima da média, uma superdotação: ela aprendeu a ler sozinha, fala seis línguas (português, espanhol, alemão, francês, inglês e italiano, além de Libras) e tem graduação em psicologia, pedagogia, sociologia e biologia.
Hoje com 33 anos, Gisele começou a trabalhar com educação somente aos 20 anos, atuando, desde então, com educação especial. Ocupando o cargo de coordenadora pedagógica da Clínica-Escola, ela enche a boca para falar do projeto bem-sucedido implantado em Itaboraí. "É clínica e é escola. A parte escolar, ela é perfeita. E a parte que a gente chama de terapêutica também é muito boa. E fora que é pública, eles não pagam nada. E fora, custa cerca de 10 a 12 mil reais".
Gisele ainda vê muita "sabotagem", nas palavras dela, aos autistas:
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"Nós autistas nascemos para aprender, só que somos sabotados pela sociedade. E isso precisa mudar. Eu falo isso de escolas, de governantes e principalmente de médicos. Autismo não é doença, é deficiência. Então quando isso diminuir ou, se Deus quiser, parar de uma vez, a gente não vai ter tanta mãe desesperada, 
vindo para cá"       Gisele Nascimento
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De Juiz de Fora para Itaboraí
Fabiano Zeferino e Mirian Seixas, que foram de Juiz de Fora (MG)
 para Itaboraí, para tratar o filho autista Fabiano
A família de Minas Gerais que se mudou para Itaboraí é a do comerciante Fabiano Zeferino, que largou o emprego e foi "de mala e cuia" para a cidade fluminense com o intuito de conseguir o tratamento para seu filho.
Depois de buscar, em vão, um diagnóstico de autismo para seu filho Fabiano, Zeferino viu na televisão uma entrevista de Berenice Piana falando sobre a Clínica-Escola e não teve dúvida, pegou um ônibus com destino à cidade fluminense e conseguiu marcar uma consulta.
"Tomei a iniciativa, vim correndo para cá [Itaboraí], porque nós já estávamos desesperados, sem saber o que fazer", afirma. Quando voltou com o filho, enfim teve diagnosticado Fabiano com autismo. Como a Clínica-Escola, sendo um órgão da prefeitura, só pode aceitar residentes na cidade, Zeferino optou por deixar o emprego que tinha em Juiz de Fora, no comércio de eletrônicos, e decidiu ir morar em Itaboraí, ainda que, por ora, esteja desempregado. Tudo pela saúde do filho.
Sensibilizados com a história da família, os coordenadores da Clínica-Escola concederam a vaga ao garoto de três anos. E em pouco mais de três meses a melhora é sensível, diz. "Estou muito satisfeito, muito feliz. Ele está bem melhor. Está calmo. Ele já senta. Está comendo sozinho. Antes, não. A gente tinha que ficar andando a casa toda atrás dele para dar a comida a ele. Já está até fazendo xixi no vaso, que ele não fazia. Melhorou muito."
A importância da alimentação no tratamento do autismo
Chamou a atenção de Zeferino como uma pequena mudança na alimentação fez diferença no comportamento da criança. "Eles cortaram o leite e o glúten e o resultado foi que dentro de duas ou três semanas ele melhorou muito. Acho que uma boa alimentação é um dos fatores mais importantes no tratamento."
Dr. Mauro Lins, diretor médico da Clínica-Escola do Autismo de Itaboraí
Diretor médico da Clínica-Escola do Autista, Dr. Mauro Lins endossa a avaliação de Zeferino. "Cada vez mais está se estudando a relação entre o que se chama de microbioma, que é a população de micro-organismos que vive no nosso intestino, com nossa saúde geral e nosso comportamento. Então dietas isentas de caseína, que é a proteína do leite, e glúten, que é a proteína de trigo e de alguns outros cereais, melhoram, de fato, o comportamento de crianças autistas, porque estas substâncias estariam provocando reações inflamatórias no intestino", explica. "Esta correlação entre este equilíbrio intestinal e nosso comportamento, nosso humor, nosso funcionamento mental, isto está cada vez mais nítido."

FONTE:

http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/02/05/cidade-fluminense-vira-meca-no-tratamento-de-autismo-no-brasil.htm
 André Carvalho
Do UOL, em São Paulo 
Fotos: Sandro Giron/Prefeitura de Itaboraí

sábado, 9 de janeiro de 2016

Quando o banal é um desafio até para quem é extraordinário

Em Portugal, conta Isabel Cottinelli Telmo (Federação Portuguesa de Autismo), poucos autistas conseguem viver com autonomia na sociedade. Encontrar trabalho é raridade até para quem tem talentos excecionais
"Manuel" tem um talento muito acima da média para a informática. É também autista. As suas capacidades valeram-lhe um emprego numa biblioteca municipal. As suas limitações, nomeadamente ao nível dos relacionamentos sociais, tornaram a sua presença naquele local de trabalho num foco de tensão. "Encarregaram-no de fazer as fichas [das obras literárias no catálogo]. O problema é que ele fazia 20 enquanto as restantes funcionárias faziam cinco. E ainda reclamava com as colegas, chamando-as de mandrionas".

O nome é fictício mas o caso, verdadeiro, é relatado ao DN por Isabel Cottinelli Telmo, fundadora e presidente da Federação Portuguesa de Autismo, e serve de exemplo das dificuldades que as pessoas com autismo - mesmo as que apresentam competências extraordinárias - enfrentam para se integrarem na sociedade.
"É difícil a parte da interação social. Temos tentado promover a empregabilidade. Na federação criámos uma plataforma para tentar procurar ofertas de emprego, mas as pessoas [empregadores] não estão muito viradas para isso", reconhece. "Há mesmo alguns casos de pessoas que têm cursos superiores e não arranjam emprego. Ou os que arranjam estão muito abaixo das suas capacidades". Por exemplo, conta há dois irmãos gémeos, "um licenciado em Economia e o outro em Matemática", que trabalham respetivamente "numa bomba de gasolina e a tirar fotocópias num hospital". E estes são os casos extraordinários, "uma ínfima percentagem no universo de pessoas com espetro do autismo".
A capacidade de observar
A personagem de "Raymond", que valeu a Dustin Hoffman o Óscar de melhor Ator no filme "Encontro de Irmãos", de 1988, fixou no imaginário coletivo uma associação entre as doenças do espetro do autismo e capacidades geniais, como um talento inato para o cálculo matemático ou para o desenho. A realidade, diz, é bem distinta, por mais que o ator norte-americano tenha "captado de forma extraordinária" muitos aspetos comportamentais, após passar onze meses a estudar essas pessoas."No fundo, combinaram no filme todas as capacidades possíveis numa só personagem, o que nunca acontece", explica.
No universo do autismo, explica, "os mais competentes têm o que se define como autismo de alto nível, de alta capacidade funcional", que se resume a ser capaz de desenvolver algumas competências comuns à generalidade da população, como "falar em grupo".
Este grupo era habitualmente situado na definição de síndrome de Asperger, por oposição aos "casos kannerianos", mais complexos.As definições - ambas já fora das classificações atuais - fazem referência ao norte-americano Leo Kanner e ao austríaco Hans Asperger que, em 1944 , em dois trabalhos separados, coincidiram nas primeiras descrições de casos desta condição.
Mas existem de facto algumas competências específicas associadas ao autismo. Como a capacidade de observar e de processar o que se vê. "Tenho um filho autista, que tem hoje 51 anos. Não é um autista de alto desempenho mas, quando era criança, olhava para os pássaros que iam no ar e dizia: "São seis". Ele não contava, via", descreve.
Alguns exemplos extraordinários desta capacidade, como uma rapariga chamada Nadia e um homem, hoje com 40 anos, chamado Stephen Wilshire (ver fotolegenda) são ainda hoje objeto de estudo e de debate. E os estímulos visuais fazem parte do trabalho quotidiano com todos os autistas: "No caso do autismo, a perceção visual é muito boa. Usa-se nas metodologias de ensino. Mesmo nos menos competentes são as imagens que muitas vezes ajudam a desenvolver outras capacidades."
Aproveitar as características
Centenas de jovens com distúrbios do autismo frequentam as escolas públicas portuguesas. David Rodrigues, presidente da Pró-Inclusão - Associação nacional de Docentes da Educação Especial - explica que, neste grupo de estudantes, a diversidade de situações obriga a "pensar na melhor forma de aproveitar as características das pessoas". E os casos de "capacidades extraordinárias", com "pessoas que conseguem pensar num aspeto percetivo, de resolução do problema, que é diferente das outras pessoas", não são necessariamente mais simples.
O talento que desapareceu e o talento que não parou de crescer
O caso é objeto de análise quer de psicólogos e psiquiatras quer por especialistas das Belas-Artes mas nunca foi revelado mais do que o seu primeiro nome: Nadia. Aos três anos e meio já desenhava animais e pessoas de forma realista . Aos cinco desenhou este Okapi (imagem de cima), um animal do Norte de África. Aos nove desenhou um cavalo cujo realismo foi comparado com Leonardo da Vinci, mas não sabia usar garfo e faca à mesa. À medida que foi crescendo e adquirindo outras capacidades, como a fala, o talento desapareceu. Aos 20 desenhava...como uma criança de cinco anos. Stephen Wilshire (imagem de baixo) , hoje com 40 anos, também é autista de alto rendimento. Mas as suas capacidades nunca pararam de evoluir. Aos cinco anos desenhava de memória, com rigor, edifícios que tinha visto no percurso de autocarro até ao centro para autistas, em Londres. Hoje tem uma pós-graduação em Belas -Artes e é um pintor requisitado no mundo inteiro. Aprendeu a falar aos nove anos. A sua primeira palavra foi: "Papel."

Ao serviço do exército israelita
Alguns países estão a encontrar formas de aproveitar as capacidades excecionais dos autistas. Na última edição da revista norte-americana The Atlantic, é contada a história da Unidade 9900 da "Divisão de Informação Digital" do exército israelita, para a qual são recrutados autistas que, graças às suas capacidades invulgares, analisam em tempo real imagens de satélite de alta resolução, em busca de movimentações suspeitas. As autoridades israelitas garantem que estes homens e mulheres - atualmente na casa das dezenas - já salvaram "muitas vidas".

FONTE:
Diário de Notícias

http://www.dn.pt/sociedade/interior/autismo-quando-o-banal-e-um-desafio-ate-para-quem-e-extraordinario-4970910.html

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Estatuto da Pessoa com Deficiência entra em vigor com garantia de mais direitos

No Instituto Municipal Helena Antipoff, professoras aprendem o braille para promover a inclusão de crianças com deficiência na rede pública de ensino.
 Tomaz Silva/Agência Brasil

Entrou em vigor no sábado (2) o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que traz regras e orientações para a promoção dos direitos e liberdades dos deficientes com o objetivo de garantir a essas pessoas inclusão social e cidadania. A nova legislação, chamada de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, garante condições de acesso a educação e saúde e estabelece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população.
Hoje no Brasil existem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. A lei foi sancionada pelo governo federal em julho e passa a valer somente agora, 180 dias após sua publicação no Diário Oficial da União.
Menos abusos
Um dos avanços trazidos pela lei foi a proibição da cobrança de valores adicionais em matrículas e mensalidades de instituições de ensino privadas. O fim da chamada taxa extra, cobrada apenas de alunos com deficiência, era uma demanda de entidades que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência.
Quem impedir ou dificultar o ingresso da pessoa com deficiência em planos privados de saúde está sujeito a pena de dois a cinco anos de detenção, além de multa. A mesma punição se aplica a quem negar emprego, recusar assistência médico-hospitalar ou outros direitos a alguém, em razão de sua deficiência.
Veto
Um trecho que foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff na época de sua sanção, porém, gerou críticas. O projeto de lei aprovado pelos parlamentares obrigava empresas com menos de 100 funcionários a contratarem pelo menos uma pessoa com deficiência. Atualmente, a obrigação vale apenas para as empresas com 100 trabalhadores ou mais. O veto foi considerado pela deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), relatora da proposta na Câmara, uma “perda irreparável”.
Cotas
De acordo com o estatuto, as empresas de exploração de serviço de táxi deverão reservar 10% das vagas para condutores com deficiência. Legislações anteriores já previam a reserva de 2% das vagas dos estacionamentos públicos para pessoas com deficiência, mas a nova lei garante que haja no mínimo uma vaga em estacionamentos menores. Os locais devem estar devidamente sinalizados e os veículos deverão conter a credencial de beneficiário fornecida pelos órgãos de trânsito.
A legislação exige também que 10% dos dormitórios de hotéis e pousadas sejam acessíveis e que, ao menos uma unidade acessível, seja garantida.
Mais direitos
Outra novidade da lei é a possibilidade de o trabalhador com deficiência recorrer ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço quando receber prescrição de órtese ou prótese para promover sua acessibilidade.
Ao poder público cabe assegurar sistema educacional inclusivo, ofertar recursos de acessibilidade e garantir pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, de acordo com a lei. Para escolas inclusivas, o Estado deve oferecer educação bilíngue, em Libras como primeira língua e português como segunda.
FONTE:
Da Agência Brasil
Por Paulo Victor Chagas
Edição por Denise Griesinger

http://www.inclusive.org.br/?p=28736

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Estatuto do Deficiente

Descrição da imagem para cego ver: 
Arte com fundo azul e os dizeres em rosa "a Lei Brasileira de Inclusão está em vigor" Ao lado um tracejado vertical e os dizeres "conheça seus direitos e cobre o que é seu!". 
Logo abaixo uma linha horizontal com ícones em rosa representando serviços públicos.

O Tempo, o Vento e o Autismo

É diferente ser mãe de uma criança autista?
Era por volta das duas da tarde quando comecei a escutar fogos retardatários. Provavelmente alguém tentava gastar sua munição de luz e som remanescente da meia noite. Minha filha mais nova dormia tranquila no cercadinho, enquanto Gabriela e eu brincávamos de cozinhar (o que é uma grande vitória, afinal significa o início do aprender a brincar). Talvez essa seja uma parte engraçada de brincar: cozinhar com brinquedos é sempre divertido, enquanto cozinhar de verdade muitas vezes é uma tarefa que muitos gostariam de riscar de sua agenda.
 A janela está aberta para arejar e, de repente, o vento bate em meu rosto, fazendo-me lembrar do tempo. Não o tempo do sol e da chuva, mas o tempo que corre no relógio, na vida. O tempo, que assim como o vento, é sentido sem ser visto, tem o poder de trazer e levar, pode se apresentar como tamanha força que machuca, enquanto em outros momentos sequer sentimos sua presença. Que magia incrível têm o tempo e o vento.
Com a chegada de um ano, o tempo passa a ser um tópico a ser pensado. A sensação é do término de uma jornada e início de outra, como se começássemos a contar as horas em um novo relógio. O passado se torna verdadeiramente passado e o que passa a contar é o presente e o futuro. As pessoas se enchem de perspectiva, promessas, vontades. Vestem-se de uma armadura de garra e juram a si mesmas mudar o que não lhes agrada. Ano Novo é antes de tudo brindar a chegada de um recomeço.
Pelo menos foi assim que durante muito tempo vi o Ano Novo. Só que desde a notícia de que minha filha tinha autismo, isso também mudou. Não que eu veja o Ano Novo com menos alegria; pelo contrário, é uma data que eu adoro. Mas, com a descoberta do autismo, sensações novas sobre o tempo surgiram.
Eu traçava metas para o ano seguinte, sabendo que as rédeas da vida estavam em minhas mãos. Emagrecer? Era só eu comer menos e fazer mais exercícios. Trabalhar mais? Era só colocar o relógio para acordar mais cedo. Arranjar um namorado? Não que isso dependesse só de mim, mas certo é que ninguém segura uma mulher obstinada a ter um relacionamento. Então, de certa forma, tudo que eu quisesse ter na minha vida ou tirar dela baseava-se nas escolhas que eu fizesse. A sensação de traçar metas para um novo ano era, portanto, um sentimento de controle sobre o meu tempo.
Com o diagnóstico de autismo de minha pequena, a coisa mais importante de minha vida passou a ser lutar para que Gabriela vivenciasse todo seu potencial, que conseguisse tratar os sintomas do autismo. Ocorre que isso não é algo que dependa de mim e não é uma meta que eu possa traçar para o novo ano que chega. Seria um tanto quanto sem sentido comer sete uvas, pular sete ondas, e depois proclamar “esse ano vamos derrotar os sintomas de autismo de minha filha”.  Embora lutar para dar os tratamentos apropriados seja necessário todos os dias, não há meta sobre o autismo de minha filha que possa ser feita em 2016.
Aceitar o autismo não se confunde em não guerrear contra seus sintomas, buscando sempre uma evolução da qualidade de desenvolvimento global do indivíduo.  Ocorre que tal luta deve ser doce, respeitando o tempo e as peculiaridades da criança. Não pode ser medida em dia, meses ou anos. Dessa forma, no que se trata do tratamento de minha pequena, 1º de janeiro de 2016 é apenas o dia depois de 31 de dezembro de 2015. A presença constante do autismo em nossas vidas parece, por vezes, dar a impressão de continuidade, como se um dia sequenciasse o outro sem fins ou recomeços.
Se pararmos para pensar é bem isso que a vida é: um dia após o outro, independente de que ano estamos. O calendário é apenas uma criação humana e, portanto, o recomeço de uma vida nova por causa de um ano novo apenas existe em nossos corações. A realidade é apenas que nós estamos seguindo, vivendo e dando sequência. A noção de recomeço por um novo ano parece ser uma válvula de escape, que parece ser apagada a partir do momento que lidamos com o diagnóstico de autismo.
Talvez quem olhe de fora essa perspectiva ache difícil a vida de pais e mães de autistas e sua incapacidade de verdadeiramente se importar com a elaboração de metas para um ano que chega. Ocorre que na verdade é justamente na alteração de perspectiva de tempo que mora o segredo: lutar pela saúde e desenvolvimento do filho exige o aprender a renascer não com o finalizar de um ano, mas sim diariamente – e não há uma felicidade peculiar em perceber que todo dia é uma página em branco.
E renascer todos os dias é, em seu conceito, nascer de novo, e por consequência ser criança de novo. Assim, renascer todos os dias por um filho autista é enfrentar com ele os desafios da vida; é essencialmente aprender a florescer novamente a pureza, a energia, a persistência, a luz de quando ainda éramos muito jovens para admirar e acreditar em fadas e anjos azuis.  

É como já dizia Érico Veríssimo (escritor de O Tempo e o Vento): “A vida começa todos os dias”
Feliz 2016! Feliz dia! Feliz vida!
FONTE:
Hanna Baptista
Diário de um Autista
http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/diario-de-autista/o-tempo-o-vento-e-o-autismo/

CRISES, PERDAS E SAÍDAS

Estamos em uma época de crise social, política e econômica, de discussões intermináveis e de uma espécie de cisão que começou a aparecer com a campanha eleitoral do ano passado.
Sim: crises de fato azem parte de qualquer país, em qualquer região do mundo ou em qualquer tempo. Mas o triste é ver como alguns dos nossos cidadãos enxergam “a saída”: uma espécie de divisão do Brasil em regiões, pautando-se pela divisão entre pobres versus ricos, nordeste versus sudeste (como se não houvesse outra região no país), sul versus “o resto”.
Essa guerra civil tácita, esse sentimento de embate de acordo com as inclinações políticas ou posições sociais, dificilmente nos fará algum bem enquanto povo. Estava pensando nisso dia desses quando me deparei, em uma busca aleatória, com a literatura de Cordel.
Tudo bem que a herdamos dos portugueses, mas foi com base nesse estilo tão singular que o Nordeste conseguiu contar as suas próprias histórias e se consolidar como povo. Cordel é pura arte nascida do improvável.
É beleza bucólica, meio triste, meio esperançosa, completamente incrível.
E completamente Brasil – assim como o realismo, o concretismo e outras tantas linhas que nasceram pelos quatro cantos do país.
E por que essa mistura de assuntos?
Ora… porque, se conseguimos construir tantas coisas maravilhosas juntos, como é possível que alguém realmente acredite que o segredo do sucesso está em separar os estados e regiões em outros países?
Qual bem faria ao Sudeste perder o Cordel como expressão nacional? E para o Nordeste? O que ganharia essa região ao perder Machado de Assis? O sul ficaria realmente melhor sem Graciliano Ramos? E o centro-oeste sem Mário Quintana?
Todos esses nomes vão além de seus estados – eles são brasileiros inteiros, forjados a partir das referências nacionais de todas as partes. Seria triste perdermos isso.

Editorial Clube de Autores