Tivemos um imensurável
crescimento nas celebrações do Dia Mundial da Conscientização do Autismo, que
ainda vai dar o que falar e que cá prá nós, chegou a ofuscar e provocar pontas
de ciúme para quem não está acostumado a mobilizações voltadas a grandes
objetivos, que não sejam egoístas proveitos próprios, muitos perdendo a
oportunidade de ficar com a boca fechada.
Falaram que autistas se fixam
nisso ou naquilo por inabilidade social. Uau! Freud, um neurologista de profissão, foi mais malhado que Judas, só porque
disse que sua teoria psicanalítica era similar a um “andaime que deveria
ser retirado quando a construção já tivesse bases mais sólidas”, sem ninguém perguntar
o que significava.
Depois da “Mãe-geladeira” que o
psicanalista Bruno Bettleheim popularizou
em 1950 com a infeliz idéia de que o autismo seria causado pela indiferença da
mãe em relação à criança, acreditava-se que ele seria o último porta-voz da
fábrica de asneiras, mas, eis que de repente um trabalho da Universidade da Califórnia revelou a relação
entre a obesidade da gestante e a chance de ela dar à luz uma criança que será
autista. No comments. Valha-me Deus.
Ainda com as rosas de abril, por
pouco não se criou uma animosidade irreversível com os Down, descritos em 1862, com causa genética descoberta em 1958 e associada com algumas
dificuldades cognitivas, porque algumas assumidades das Neurociências, ao
querer traçar comparativos com o autismo, esqueceram o detalhezinho que Kanner só
o descreveu em 1944 e cerca de 70 anos depois nada há de novo sobre ele, além
de autores, que cada um diz o que quer principalmente invencionices. A
cronologia que aí está, para quem gosta de infográfico, que está na moda, dá um
belo quadro de altos e baixos relevantes.
Os pais dos Down chegaram antes. E sabem porquê? Porque em 1992 Claudia
Werneck, uma jornalista sem filhos dotados da síndrome, que não teve receio em
dizer que eles a aproximaram de Deus, publicou Muito Prazer, Eu existo. O livro
foi a senha que disparou o processo de estímulo e responsabilidade para lutar, contra
a discriminação e o preconceito que dura até nossos dias e continua em
efervescência pela causa, provocando ciumeiras em quem gosta de ficar só no
“venha nós ao nosso reino” fazendo política inócua.
Em 1985 o dr. Christian Gauderer tinha publicado Autismo – Década de 80,
uma atualização para os que atuam na área: do especialista aos
pais.Tecnicamente perfeito, considerado insuperável, sob uma imensidade de
aspectos e mais, depois dele rarissimos são os autores que não tenham partido
dos mesmos princípios dele, da Frances Tustin, Marion Leboyer, Edward Ritvo com
quem tive um pega na UFRGS, Arminda Aberastury, Donald Meltzer, Bernanrd
Rimlaud, Oliver Sacks e alguns outros que me perdoem o esquecimento dos nomes,
e evoluindo destes alguns autores de
invencionices.
Em 1993 eu publiquei Vida de Autista – Uma saga real e vitoriosa contra o
desconhecido, contando a história do meu filho, na época com 14 anos, quando
“saiu do estado autístico”, e se bem me recordo, em minha companhia só tinha
Nancy Puhlmann Di Girolamo, com sua série das Aves Feridas.
Registre-se: graças aos convites para proferir palestras no IBNL, dirigido pela
Nancy, é que o destino contribuiu para que eu lá encontrasse Liê e a Claudia, num abraço que se fortifica
cada vez mais, pois quis a Providência Divina dar para cada um de nós, filhos
autistas para servirem de exemplos autísticos iguais.
Depois disso, o autismo teve avanços
significativos com o advento da internet, principalmente quando a
Priscila Siomara cria em Americana –SP, a lista Autismo no Brasil em 1998, onde
o Dr. Walter Camargos, Eu, o Eduardo H. C. Silva, até onde me lembro foi o
primeiro a falar em “inclusão”, Liê
Ribeiro a poetisa do autismo, Cláudia a incansável mãe presidente da Apadem, Argemiro
Garcia de Paula, que além de pai zelozo e guardador, o maior estômago de
avestruz de mediação no autismo que já vi. Silvania Margarida, Cristina Hayashida, e os pais de autistas da Espanha, demais
países, e tantos outros como pioneiros ou não da “Saga das 100 mil postagens”, celebradas
justamente neste ano com o Dia Mundial da Conscientização. E mais...
Neste mês de abril de 2012 foi
criado em Volta Redonda – RJ, o Grupo de Familiares dos Autistas Adultos,
justamente por pais e amigos há muito integrantes de listas de discussões, pvt,
HP, blogs, hots, e-books, livros pessoais e muito mais, justamente para iniciar
um projeto que não tem dono além da inspiração de cada um, contando com o
reforço da Revista Autismo idealizada pelo Paiva Jr, pioneira na América
Latina, com
a missão ímpar de ser a fonte da informação e instrumento de ressonância a
respeito do autismo a profissionais e governos, para geração de ações,
tratamento, pesquisa e políticas públicas.
Cada um cumprindo a sua parte,
evidentemente que conseguiremos: com base nas mais rigorosas observações
científicas do autismo, existentes no CID-10, nós, pais, no sentido duplo da
palavra que todos os dias abraçamos nossos filhos para lhes dar um amoroso nome
novo por um gesto inédito que só a nossa sensibilidade percebe, sabemos que o
diagnóstico não é mais Autismo Infantil porque eles já não são mais crianças
bem como não ficarão eternamente púberes, e quando faltarmos na vida deles ninguém
poderá dizer que nos livramos deles, mas sim os deixamos protegidos. Nossos filhos cresceram e nós, inevitavelmente estamos envelhecendo pela ordem natural da vida.
Temos gestores, professores,
psicólogos, pedagogos, arte-terapeutas, fonoaudiólogos, cantores, enfermeiros,
cuidadores, poetas, psiquiatras, inclusivistas, profissionais afins e médicos,
cada um com seu conceito e tantos outros especialistas que orbitam em torno de
nós, que seria impossível viver sem eles, incluindo nossas crenças que se
esbarram entre si em espaços cada vez mais ocupados pelos autistas.
Dependemos de muita gente, profissional,
filosófica, religiosa, política e científica, mas agora que somos tantos e
quantos mais que virão bafejados pela instantaneidade das comunicações, faz-se
urgente que aprendamos a conviver, a tolerar, a confraternizar em paz e
harmonia para então fugir da solidão que também nos isola atrás de muros por egoisticamente
pensar que aprendemos e podemos resolver nossas dificuldades autísticas sem partilhar.
O Grupo de Familiares Autistas
Adultos é um prenúncio do que pode acontecer de bom para que nossos filhos em
escala maior, sofrendo menos, embora os obstáculos a proposta precisa ser
potencializada, senão, utopicamente eliminar a discriminação e o preconceito
como os grandes obstáculos que nos fere indiferentemente de síndrome, e, por
todos devem ser combatidos, sem trégua.
Se o mundo já está sendo
dominado com tecnologia e ciência, é tempo de conquistarmos o mundo dos
autistas com o amor e tolerância, sem trégua como se fossemos um gladiador, pois
só dessa forma será a Terra o berço bendito para todos a fim de que se cumpram
os desígnios divinos.
Nilton Salvador