No último artigo vimos algumas estratégias
especiais de alfabetização de crianças com dificuldades de aprendizagem,
estratégias estas que se baseiam na teoria da equivalência de estímulos. Dando
continuidade a esta fase da aprendizagem acadêmica, veremos agora alguns
procedimentos eficazes para instalar respostas de leitura e escrita mais
refinadas em crianças com desenvolvimento atípico, particularmente, com
autismo. Estas atividades visam treinar a função acadêmica e social da leitura
e da escrita.
As atividades aqui descritas não precisam,
necessariamente, serem feitas após a alfabetização formal, algumas delas podem
ser conduzidas paralelamente à alfabetização.
A primeira preocupação do terapeuta analista do
comportamento durante qualquer processo de ensino deve ser a generalização das
habilidades ensinadas para contextos mais naturais, saindo do contexto
artificial e especialmente preparado para a aprendizagem no qual se configura o
setting terapêutico. Durante a alfabetização esta preocupação também deve
permear todo o trabalho.
Visando a generalização das palavras aprendidas na
pré-alfabetização (tema do último artigo) e o treino da função da leitura e da
escrita, o terapeuta pode produzir, junto com a criança, um livrinho com as
palavras trabalhadas na pré-alfabetização. A criança deve completar cada página
do livro já montado pelo terapeuta, como no exemplo abaixo.
Depois de montar o livrinho todo, a criança pode
ler a história para alguém. Neste momento, a criança tem a oportunidade de
experimentar a principal função da leitura, afinal ela será capaz de ler
algumas frases, já que estas são montadas com palavras-chave já treinadas.
Com este mesmo livro produzido junto com a criança
e, também, com outros livros simples (frases curtas; letra bastão grande;
imagens claras; começo, meio e fim bem definidos; etc.), pode-se aplicar um
conjunto de atividades que visam o treino de leitura e escrita; ampliação de
interesses; aprofundamento do conteúdo de conversas e comentários; treino da
atenção na leitura e no reconto do texto; compreensão e interpretação do texto.
Abaixo descrevo estas atividades.
Visando gerar interesse pela história e, com isso,
motivação para as atividades que se seguem, a primeira atividade que deve ser
feita é apresentar a história em vídeo (caso exista um filme sobre ela) ou em
uma apresentação no Power Point com fotos de cada página do livro. O uso da
mídia gera um interesse inicial maior do que se já começarmos direto com o
livro.
Em seguida, o terapeuta deve contar a história
mostrando cada página do livro e garantindo que a criança preste atenção. Para
isso, a história deve ser apresentada de maneira clara e breve, de preferência
dividida em 4 ou 5 atos. O terapeuta deve estimular que a própria criança leia
a história ou partes dela, a depender do passo da alfabetização em que ela
está. Se a criança ainda não lê, ela deve, pelo menos, acompanhar a leitura com
o dedo nas palavras. Durante a contagem o terapeuta deve, ainda, pedir
respostas que garantam a atenção e participação da criança. Por exemplo, em
cada página do livro o terapeuta pode pedir que a criança aponte (repertório de
ouvinte - identificação) e/ou nomeie (repertório de falante – tato) personagens
ou itens do cenário. Com crianças que tenham o repertório verbal mais
desenvolvido pode-se, ainda, estimular respostas intraverbais, como “Está de
noite ou de dia?”, “Onde morava o Pinguim?”, “Que cor é o lobo?”, etc.
Em seguida o terapeuta pode pedir que a criança
ordene as principais cenas da história, começando com 3 cenas e depois
evoluindo para 5 a 7 cenas. Para isso, o terapeuta deve apresentar figuras com
as principais cenas da história em ordem aleatória e mostrar cada uma para a
criança. Em seguida a criança deve colocar as figuras na ordem em que ocorrem
na história. Se necessário, o terapeuta deve dar ajuda física (pegando cada
cena junto com a criança) ou gestual (apontando a próxima cena). Esta atividade
vai garantir a compreensão da sequência lógica que permeia qualquer história,
além de treinar esta habilidade que é fundamental para a compreensão de
histórias, cenas e situações cotidianas.
Com crianças autistas o apoio visual é sempre
útil, por isso, pode ajudar bastante fazer a ordenação das cenas em uma prancha
numerada e com quadros delimitados para cada cena, tal como exemplificado
abaixo.
Seguindo o sequenciamento visual feito na
atividade anterior, a criança deve ser estimulada a verbalizar a sequência da
história, utilizando as palavras de conexão como “primeiro, depois, então”. Os
quadros ordenados servem de dicas para ela contar a história. Para isso, o
terapeuta deve estimular que a criança coloque seu dedo em cada cena na medida
em que vai contando a história. A depender do nível de alfabetização, peça para
a criança escrever frases simples deste seu “resumo”. Este resumo escrito
também pode ser feito com cópia, ou seja, o terapeuta escreve as frases que a
criança falou durante o reconto da história e, depois, a criança copia seu
próprio resumo.
Outra atividade que contribui muito para a
compreensão da história que está sendo trabalhada é a dramatização dos
principais personagens e acontecimentos. Para isso, devem ser preparadas roupas
ou acessórios característicos dos principais personagens. A criança deve
preparar estes acessórios junto com o terapeuta, aproveitando para treinar
habilidades grafomotoras como: recortar as orelhas do lobo; desenhar e recortar
o chapéu do caçador; etc. Também pode-se utilizar brinquedos, miniaturas ou
fantoches para a representação dos principais personagens. Depois da
caracterização, a criança e o terapeuta devem encenar cada ato da história com
diálogos básicos e curtos. O terapeuta deve dar as ajudas físicas e verbais
(dica ecóica ou intraverbal) necessárias.
Partindo para atividades de interpretação
propriamente dita, o terapeuta pode elaborar de 3 a 4 questões sobre a
história. Neste momento as questões devem ser sobre informações facilmente
extraídas do texto, por exemplo, questões como: “Onde aconteceu?”, “Quem estava
lá?”, “O que o personagem fez?”, etc. As respostas podem ser somente verbais;
ou por escrito; ou ainda, a criança responde verbalmente, o terapeuta escreve a
resposta e, em seguida, a criança a copia.
Novamente buscando o apoio visual, sugere-se
também fazer atividades de completar lacunas ou questões de múltipla escolha. O
terapeuta deve desenvolver exercícios nos quais a criança vai preencher lacunas
ou marcar um X na resposta correta, com informações que podem ser facilmente
encontradas no livro. Aqui vale introduzir conceitos acadêmicos que estejam no
currículo da escola, por exemplo: conceito de opostos; quantidades; estações do
ano; formas geométricas; etc. Com crianças autistas, é interessante usar texto
e imagens nas questões, como exemplificado abaixo.
Com crianças mais velhas e mais avançadas no
processo de alfabetização, pode-se também fazer questões que a estimulem a
extrair informações das entrelinhas, criando hipóteses e entendendo o “porquê”
das coisas. Nesta etapa o aplicador deve desenvolver perguntas que não podem
ser diretamente respondidas com as dicas visuais do livro (Ex: “Quem era o
porquinho mais esperto?”; “Porque a bruxa não gostava da Branca de Neve?”;
etc.). Para responder a criança poderá reler partes do texto.
As atividades de registro, comumente feitas em
salas de aula regulares após a leitura de uma história, também são
fundamentais. A partir do tema da história, a criança deve trabalhar em alguma
atividade grafomotora, como: desenho com pontilhado; desenho livre; escrever os
nomes dos personagens; recorte e colagem; etc.
Os tablets também são um meio eficaz para
estimular o interesse pela leitura e pela escrita, bem como para a aquisição da
função social e comunicativa destas respostas. Existe uma infinidade de
aplicativos que estimulam a leitura e a escrita, como: livrinhos virtuais que
contam a história com áudio; treino da escrita de letras e palavras na tela do
tablet; aplicativos nos quais a criança pode montar uma história usando fotos
ou imagens da internet e digitando as frases; etc.
Nesta fase da intervenção terapêutica e acadêmica,
também sugere-se apresentar os diversos usos da leitura e da escrita, como:
jornal – o adulto pode ler o caderno infantil ou alguma reportagem que envolva
um tema do interesse da criança junto com ela, estimulando que ela leia as
palavras-chave; livro – trabalhar os livros indicados na escola ou outros que
sejam de interesse da criança com as atividades descritas acima; bilhete –
estimular que a criança escreva bilhetes para os familiares e amigos da escola
(usando ditado ou cópia como apoio, se necessário); e-mail - ensinar a usar o
e-mail e mandar mensagem para pessoas que estão distantes; combinados –
escrever combinados para a aula ou terapia e ler diariamente; etiquetas –
colocar etiquetas escritas pela própria criança nos brinquedos, móveis e
objetos da casa; propagandas – recortar e colar propagandas de alimentos
preferidos e, depois, ir ao supermercado com esta “lista de compras” e comprar
cada item; letra de música – a criança pode ajudar a encontrar a letra de uma
música que goste muito na internet e, depois, ouvir a música e cantar junto com
a letra na mão acompanhando com o dedinho em cada palavra (sugere-se usar letra
bastão grande e destacar as palavras que a criança é capaz de ler); enunciados
– nas lições de casa a criança deve ler os enunciados, compreender o que pedem
e executar a tarefa; placar de jogos – em jogos coletivos podemos fazer um
“placar” onde a criança deve escrever os nomes dos jogadores e sua pontuação no
decorrer do jogo, no final ela deve dizer quem ganhou consultando o placar.
Com estas e
outras atividades que podem ser elaboradas a partir destas, vamos refinando a
leitura e a escrita, dando função para este repertório, garantindo seu uso funcional
no dia-a-dia e sua generalização para contextos naturais.
POR: JULIANA FIALHO
Com fontes bibliográficas
http://www.comportese.com