Moradores de Mogi das Cruzes, Fábio e Fabrício
têm
síndrome rara.
Mãe lida com falta de comunicação e crises de
agressividade.
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Creuza acredita que cuidar dos filhos gêmeos é uma
missão (Foto: Pedro Carlos Leite/G1) |
"A mãe cria o filho para casar, ter uma família.
Mas a mãe que tem filhos especiais cria para elas. Eles vão ser bebês para o
resto da vida”. As frases são de Creuza Rosa de Souza, que é moradora de Mogi
das Cruzes (SP) e mãe dos gêmeos Fábio e Fabrício. Portadores de uma forma
severa de autismo, os “bebês” de Creuza estão com 25 anos e têm quase a mesma
altura dela. Eles não falam e dependem da mãe para comer e ir ao banheiro. Às
vezes, têm crise de agressividade. “Eu estava pensando em comprar uma camisa de
força”, diz com a mesma sinceridade com que reflete: “eu acho que eu sem eles é
como um barco sem rio e um passarinho sem água. Eles são minha razão de viver.”
Creuza conta como é a rotina dos gêmeos. “Eles
costumam acordar por volta das 10h. Eu levo para o banheiro, dou banho, troco a
roupa. Dou o café e por volta do meio-dia dou almoço para eles. A comida tem
que ser bem cortadinha. Sou a mão e o braço deles. Eles dependem de mim
totalmente.”
Apesar de problemas na coordenação motora, Fábio e
Fabrício não têm restrições físicas. O que eles mais fazem é observar o
movimento da rua onde moram, no bairro Mogi Moderno. “Apelidaram eles de 'os
meninos da esquina'. Fica um num lado da esquina e o outro do outro. E eu tenho
que ficar junto, de olho”, continua a mãe, que teve que ensinar aos dois o
básico para se comunicar. “Eles não falam. Eu sei quando eles estão com dor por
causa da cara. Quando quer tomar café é com um gesto, comer, outro gesto. São
gestos que eu ensinei”.
Síndrome rara
Os meninos foram diagnosticados com quatro anos de
idade. “Eles nasceram sem o céu da boca. Com o passar do tempo não conseguiam
andar. Levamos eles para a USP de Bauru fazer a cirurgia no céu da boca. Lá, um
geneticista descobriu que eles têm uma sindrome rara no Brasil, que engloba o autismo”,
conta a mãe.
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Os gêmeos Fábio e Fabrício ficam sem ter o que
fazer o dia todo (Foto: Pedro Carlos Leite/G1) |
Ambos são portadores da síndrome de Smith-Fineman-Myers.
“Tem oito casos no mundo inteiro e aqui no Brasil eles são únicos por serem
gêmeos”, explica Creuza. Em 1998 Fábio e Fabrício foram assunto de uma revista
americana de medicina. Na infância, eles também passaram por cirurgias nos
ouvidos, garganta e nariz.
A mãe conta que não consegue mais levá-los para
fazer tratamento. “Não consigo levar mais para Bauru. Quando eles eram pequenos
eu arrastava para cá e para lá, mas agora eles são homens e quando não querem
fazer alguma coisa eles sentam no chão e dificulta tudo. Eu desisti de Bauru.
Não sei se eles tinham mais alguma coisa para fazer lá, mas eu não tinha mais
condições de ir.”
Eles não são uma cruz, é uma missão. Quando Deus te
dá uma missão, não tem como pasar a bola para outra pessoas"
Creuza Rosa de Souza, mãe de filhos autistas
Dedicação
Quando os gêmeos nasceram, Creuza já era mãe de um
casal. Hoje o filho mais velho tem 36 anos e a segunda filha tem 32. “O Fábio e
o Fabrício me deram muito trabalho quando eram crianças. Se engasgavam, perdiam
a respiração, quebravam o vidro da porta da casa, machucavam a mão... É
complicado, é ate hoje. Mas a gente vai fazer o quê? Eles não pediram para vir
ao mundo, a gente tem que ter paciência.”
Os gêmeos estão sempre juntos para fazer tudo. “O
Fábio é mais carinhoso, gosta que beije ele e abrace. Já o Fabrício é mais
arredio, se vai fazer isso ele fica nervoso, não quer. Eles se dão bem um com o
outro, mas às vezes é um pega para capar. Eles gostam de assistir Chaves, Shrek
e futebol. Acho que o Fabrício é corintiano, quando passa jogo do Corinthians ele
beija a camisa. Uma vez um homem que estava de fogo passou na rua, falou 'olha
o Timão' e beijou a camisa, então ele beija também”, conta a mãe.
Atualmente com 52 anos, Creuza recorda que
trabalhava como cabeleireira, ofício que abandonou quando os gêmeos nasceram. A
família vive com a aposentadoria do marido, que está com 50 anos e atualmente
faz bicos como servente de pedreiro.
Quando o pai dos meninos volta do serviço, por
volta das 19h, a família passeia de carro com os meninos na Avenida Cívica. “É
a única diversão deles. A gente volta para casa, coloca eles para dormir e
termina o dia”, conta Creuza.
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Creuza gostaria que houvesse um local para que os
filhos se desenvolvessem (Foto: Pedro Carlos Leite/G1) |
Crises de agressividade
Creuza não tem com quem deixar os meninos para
fazer as atividades do dia a dia. “Para ir no mercado tem que ir com eles. Uma
vez o Fábio brigou com o pai e quase quebrou as coisas do mercado. O segurança
que fez amizade com eles conversou e conseguiu acalmar.”
A personalidade dos gêmeos é imprevisível. “Quando
eles gostam de uma pessoa, é um amor verdadeiro. Grudam com a pessoa, mas se não
gosta é bom não ficar perto senão eles são capazes de voar em cima”, diz a mãe.
Apesar de calmos a maior parte do tempo, há
ocasiões em que eles são agressivos. “Estou fazendo comida, de repente eles vêm
por trás e me atacam, dão um tapa na minha cara. Isso é do nada”, conta Creuza.
Ela está preocupada com as crises. “Dia desses, o
Fábio começou a atacar o meu marido dirigindo. Dava tapas nele, agarrava ele.
Eu tive que pular do banco da frente para trás e o meu marido dirigindo teve
que arranjar um acostamento para parar o carro. Eu estava pensando em comprar
uma camisa de força. O Fábio é direto que ele tem crise ultimamente. Ele gosta
de passear mas é agressivo com o pai”, relata.
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Fabrício gosta de ficar com o irmão assistindo a
desenhos e vendo o movimento na rua (Foto: Pedro Carlos Leite/G1) |
TENTATIVAS DE TRATAMENTO
Creuza conta que já tentou buscar tratamento para
os meninos. “A Apae ficou com eles dos 8 até os 20 anos. Mas chegou uma hora
que já não valia mais a pena. Quando ficaram grandes, eles só faziam meia hora
de atividades. Disseram que eles tinham que sair da fralda. Depois de um tempo,
era difícil fazer meus filhos acordarem cedo para ir para lá, ficar pouco tempo
e voltar embora.”
Para a mãe, falta em Mogi das Cruzes um lugar
especializado para acolher pessoas com autismo já na idade adulta. “Teria que
ter uma casa assistida para deixar o filhos e a mãe ir se tratar. Se a mãe está
ruim como que vai cuidar dos filhos direito? Os meus ainda são sociáveis, vão
no mercado, mas tem mães que os filhos não põem a cara para fora, os filhos
ficam trancados dentro de casa”, diz.
A família recebeu uma ligação da Prefeitura de Mogi
convidando os gêmeos para passar por uma avaliação no Centro de Atenção
Psicossocial (Caps). Creuza levou os filhos na última terça-feira (22) e
conversou com uma psicóloga, mas ainda está desconfiada. “Lá é feito tratamento
de pessoas que têm problemas com drogas, alcoolismo e quem tem problemas
mentais como esquizofrenia. Não é um ambiente para as crianças. Mas vamos ver,
se pelo menos ficarem com eles na parte da manhã dá para eu fazer minhas
coisas”, comenta. O próximo passo é submeter os gêmeos à avaliação de um
psiquiatra.
Missão
Creuza fica preocupada quando pensa no futuro. “Eu
penso no dia que eu não estiver aqui, como eles vão ficar ou quando eu
envelhecer mais, como vou cuidar deles. Eu tenho 52 e já me sinto desgastada,
fraca... Eu peço a Deus que me dê força para cuidar deles”, diz.
Porém, ela está longe de ver sua dedicação como um
fardo. “Eles não são uma cruz, é uma missão. Quando Deus te dá uma missão, não
tem como passar a bola para outras pessoas. Eu acho que tudo que eu passo com
eles é porque Deus está me testando de alguma forma. Tem pessoas com problemas
muito piores do que o meu.”
FONTE:
Pedro Carlos Leite Do G1 Mogi das Cruzes e Suzano
http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2014/05/sao-minha-razao-de-viver-diz-mae-de-gemeos-autistas-de-25-anos.html