Na contracorrente da medicalização no combate à
hiperatividade e ao déficit de atenção, as terapias orientais conquistam
seguidores levando em conta a complexidade do indivíduo
O yoga possibilita uma melhora em relação à
concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo
trabalhados a partir de uma história.
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A |
O yoga possibilita uma melhora em relação à
concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo
trabalhados a partir de uma história
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press
Distração, desatenção, agitação, impulsividade,
esquecimento, desorganização. Características do transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou comuns às crianças? O processo de
medicamentização das reações humanas, como tristeza, medo, insônia, chegou
também à infância? A cada dia, aumenta o volume de diagnósticos e prescrições
de drogas como alternativa para o controle de alterações orgânicas relacionadas
ao funcionamento cerebral e do comportamento.
No best seller Saving normal, ainda inédito no
Brasil, Allen Frances, um dos psiquiatras mais influentes do mundo, faz uma
séria e urgente crítica à medicalização generalizada e a mais nova edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-5 (DSM-5), a “bíblia da
psiquiatria” que dirigiu durante anos. O médico adverte: a principal referência
acadêmica da especialidade ampliou enormemente o número de transtornos
patológicos e está convertendo milhões de pessoas normais em "pacientes
mentais".
Em entrevista ao jornal El País, o psiquiatra
confessa a incapacidade de reverter a ideia, construída pelos laboratórios, de
que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. “Não há
evidência em longo prazo de que a medicação contribua para melhorar os
resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a criança, inclusive
ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas em longo prazo, esses
benefícios não foram demonstrados”, afirma. Frances diz, inclusive, que está
conduzindo um experimento em grande escala com crianças medicadas, porque ainda
não se sabe que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do
tempo.
"Assim como não nos ocorre receitar
testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido
tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos", declara. A receita de
Allen Frances é simples: a sociedade precisa aceitar as diferenças entre as
crianças, elas não cabem em um molde de normalidade cada vez mais estreito.
"É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os
danos que isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o
tratamento pode ter".
Concordando com o psiquiatra norte-americano, vem
ganhando voz no mundo uma corrente crítica às terapias medicamentosas. "O
próximo passo é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a
saúde", defende Frances, para quem caberia ao Ministério da Saúde difundir
esta prática. Para profissionais como ele, o tratamento de patologias como TDAH
devem ser observadas em sua complexidade e singularidade, já que podem ser
causadas por fatores biológicos e sociais, com componentes ambientais, e, por
isso mesmo, receber tratamentos alternativos capazes de ajudar na busca por
mais serenidade, foco, concentração. Não por acaso, as terapias holísticas
orientais vêm sendo “redescobertas” .
Desequilíbrio entre o yin e o yang
"Na medicina oriental, tratamos do todo,
olhamos para a pessoa com uma lente grande angular... A mente do médico alopata
é muito pequena", afirma o acupunturista Gustavo Sá Carneiro.
Foto: Juliana Leitão/Arquivo DP/D.A.Press
Formado em medicina pela Universidade de Pernambuco
(UPE), membro da Associação Brasileira de Acupuntura e com cursos na Associação
Francesa e na Academia de Medicina Tradicional Chinesa, em Pequim, o homeopata
e acupunturista Gustavo Sá Carneiro não tem dúvidas de que é possível sim,
tratar o TDHA sem oferecer a Ritalina ou Conserta (drogas derivadas da
anfetamina que têm o Metilfenidato como principio ativo). "A medicina
ocidental é imediatista, não vê o indivíduo como um todo, mas em partes. É um
erro incrível. Na medicina oriental, tratamos do todo, olhamos para a pessoa
com uma lente grande angular, uma 'olho-de-peixe'. A mente do médico alopata é
muito pequena, muito autorreferente", queixa-se, apontando como
alternativa a homeossiniatria, que integra dois sistemas terapêuticos
complementares: a acupuntura e a homeopatia.
"Essas pessoas têm alterações de pulso
correspondentes a determinados órgãos, o baço e o fígado, que levam a nutrição
ao córtex cerebral. Falta sangue no córtex. Há um desequilíbrio entre o yin, que
é a nutrição, e o yang, que é a distribuição, a manutenção da circulação do
sangue. As células neurais recebem pouca nutrição, causando distração. As
pessoas não se concentram direito. O tratamento para suprir essa deficiência
atua nos pontos de tonificação do fígado e do baço e mantém esse nível
estável", simplifica. Um hábito adotado pelo próprio médico também pode
fazer parte da solução. Ele não usa celular ou computador. Alega que as ondas
emitidas podem afetar o equilíbrio energético do corpo e o cansaço na visão,
devido à grande exposição à luz. Para o médico, os olhos são a janela do fígado
e a visão desgastada traz reflexos diretos ao órgão.
Segundo Sá Carneiro, o diagnóstico e o tratamento
devem ser feitos a partir dos cinco anos de idade, quando o pulso da criança
estabelece uma identidade, algo mais consciente. A anamnese avalia o indivíduo
desde a vida uterina. "É preciso saber como a criança nasceu, acompanhar
seu histórico, saber se a mãe foi saudável no período da gravidez, se sofreu uma
queda ou teve infecções graves, estresse grande, depressão. O filho geralmente
traz essa resposta. Ainda no útero, a criança pode passar por uma deficiência
de serotonina", acrescenta, adiantando que o pulso da mãe também pode ser
verificado "porque tem uma memória", explica.
A partir do diagnóstico, é estabelecida a terapia.
"O tratamento é para a pessoa, não para a doença. É preciso verificar
quais são as insuficiências, os excessos de cada órgão e fazer esse equilíbrio.
É preciso prestar atenção à criança. O diagnóstico vai se consolidando durante
o processo e esse movimento atrai novas medicações, todas exatas e muito
pessoais. Acaba uma ação e começa outra, porque durante o tratamento, o pulso
muda", explica. Para o especialista, o próprio corpo vai se organizando
naturalmente e a pessoa descobre ela mesma um equilíbrio espontâneo. Segundo
ele, o efeito é surtido nos sistemas neurais que fazem um outro tipo de
aprendizagem, começando a sentir essas alterações a partir dos novos estímulos.
A alimentação também pode ter um papel fundamental
nesse processo: quanto menos açúcar, melhor; crustáceos nunca, devendo ser
evitados também carne de porco ou derivados, coco e chocolate. "O açúcar é
muito quente, sobrecarrega o fígado, órgão mais quente do corpo, causa a
hiperatividade do fígado e a criança fica completamente plena de calor, não
dorme, fica desatenta. Gordura e fritura alteram o fígado e a vesícula",
contraindica Sá Carneiro.
Os alimentos indicados são frutas, verduras,
cereais, reservas de nutrição. Frutas, preferencialmente as cítricas. Os
cereais ideais são arroz integral, grão-de-bico, lentilha e ervilha. Entre as
carnes, as de boi, galinha (cozida e depois assada para acabar com os aditivos,
antibióticos e hormônios) e peixe (de preferência de mar e escamas). O médico
sugere ainda experimentar alimentos amargos como rabanete e escarola e explica:
"O amargo agrupa e o açúcar amolece, embota os pensamentos".
Consciência do corpo pelo yoga
O yoga possibilita uma melhora em relação à
concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo
trabalhados a partir de uma história.
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press
O yoga possibilita uma melhora em relação à
concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo
trabalhados a partir de uma história.
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press
Para as crianças a partir dos seis anos, ele
orienta ainda o Yoga, como fez com os próprios filhos em busca de
tranquilidade, concentração. No Recife, algumas clínicas e escolas oferecem a
prática para o público infantil. Encantada pelos benefícios do Yoga em sua
vida, a pedagoga, coordenadora pedagógica e psicomotricista relacional Tércia Pereira
resolveu levar as aulas para dentro da escola. "Temos crianças com vários
diagnósticos e é fato que o Yoga possibilita uma melhora em relação à
concentração. Os exercícios respiratórios são uma grande oportunidade de parar,
acalmar. Temos crianças autistas, com Síndrome de Down, sendo beneficiadas
sim", garante a profissional do Colégio Apoio, zona norte do Recife.
As aulas, de meia hora, acontecem duas vezes por
semana para alunos do segundo ciclo, a partir dos seis anos de idade. Os
asanas, posturas que têm nomes de animais, plantas e elementos da natureza como
montanha, lua, vão sendo trabalhados a partir de uma história. "As
crianças vão se envolvendo e entrando nessa dinâmica e você vê de fato a
evolução, um progresso muito interessante. A aceitação é muito forte. Eles se
atraem de uma forma linda, diferente do adulto. Começamos com um trabalho
respiratório, com a vibração do mantra do universo, entrando nessa
sintonia", atesta, enfatizando que é possível lançar mão de outras
alternativas para acalmar essa inquietação.
Entusiasmada, Tércia reflete que a prática atende a
uma necessidade da criança de hoje: "Eles estão querendo essa parada. A
gente está vivendo um mundo acelerado, mas que tira da criança o movimento
corporal que é dela, desde a vida uterina. Elas são levadas à informatização
muito cedo. Os jogos trazem essa coisa estressante. A maioria vive em
apartamentos, tem uma demanda do corpo limitada, num espaço bem reduzido de
possibilidades”. O Yoga, diz ela, traz de fato essa retomada de consciência de
ter o momento para parar. Nas aulas, os alunos têm espaço para sentir a
respiração, cada parte do corpo, numa proposta de meditação dosada com
dinâmicas lúdicas e utilizando uma linguagem.
Na casa da administradora Mônica Remígio Rodrigues,
o resultado foi percebido com clareza. Seus dois filhos, Mariana, de oito anos
e Mário, de seis, mudaram o comportamento após as aulas. "Ele é agitado em
tudo, inclusive no aprendizado. Não para o corpo, é super, hiperativo. Tem um
raciocínio muito rápido. Hoje, quando se estressa, senta na posição de Yoga e
começa a respirar. Já ela é mais calma, também adora a prática e ensina também
em casa", conta a mãe, que percebe os efeitos positivos nos dois tipos de
personalidade.
O papel da família, aliás, também é apontado por
Tércia como fundamental em todo o processo. "É preciso que os pais brinquem
com os filhos, extravasem essa energia que gera ansiedade. Mas, muitas vezes é
apenas cobrado que as crianças fiquem quietas. As pessoas não têm tempo para
nada, mas passam horas na frente do computador. Uma simples caminhada melhora
intestino, a ansiedade, o sono. O comportamento da família mudando, vai trazer
essa mudança também", enfatiza.
Aos mestres, cabem ainda alguns questionamentos
para que essa mudança não precise passar pela medicação, mas também por uma
pedagogia adequada e não tão focada na valorização do desempenho, na
produtividade, nas exigências de competências multitarefas. "Trabalho em
educação há 30 anos e é preocupante demais. Vamos ver o que é de fato
indisciplina. Eles estão descobrindo as coisas. Claro que temos que educá-los,
mas o papel do professor é muito importante dentro dessa perspectiva",
alerta.
FONTE:
Patrícia Fonseca - Diário de Pernambuco
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/08/03/interna_vidaurbana,589877/alternativas-as-drogas-no-tratamento-do-tdah.shtml
No Recife, a prática do yoga infantil é oferecida em alguns
estúdios. Confira:
Clínica
Movida Rua Samuel de Farias, 197, Casa Forte, Recife
Telefone:
(81) 3267.5793
Sádhana
Núcleo Cultural de Yoga
Rua das
Graças, 178, Graças, Recife
Telefones:
(81) 3077 3707