Algumas pistas podem ajudar os pais a antecipar a
descoberta do problema em bebês e aumentar o progresso do tratamento
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Estima-se que o Brasil reúna cerca de 2 milhões de autistas, 80% deles sem diagnóstico |
Receber o diagnóstico de autismo de um filho é como
embarcar rumo a um universo desconhecido. É preciso encontrar a maneira de
aterrissar nesse pequeno mundo em que a criança parece estar isolada. A doença,
uma espécie de pane do desenvolvimento neurológico, costuma ser identificada
pelos médicos entre 1 ano e meio e 3 anos, mas especialistas apostam que os
próprios pais são capazes de detectar os primeiros sinais a partir dos 8 meses
e, assim, buscar ajuda especializada quanto antes.
Pesquisadores da Universidade de Miami, nos Estados
Unidos, descobriram que a chave para esse flagra precoce está na comunicação
não verbal. A equipe do professor de psicologia Daniel Messinger comparou
crianças sem histórico familiar do problema com irmãos caçulas de autistas, que
teriam um risco maior de herdá-lo. Foi observado o modo como o bebê olha para
objetos, o jeito como ele pede o que deseja e como reage quando lhe apontam
para alguma direção. Pequenos com falhas gestuais nos primeiros meses de vida
apresentaram sinais mais evidentes de autismo após os 2 anos e meio de idade.
É possível observar outros indícios nos bebês, como
explica o médico Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do
Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São
Paulo. "O olhar é extremamente importante para demonstrar o vínculo
materno", exemplifica. "Mas, enquanto é amamentado, o autista pode
não fitar a figura da mãe e ter um olhar perdido."
Outro comportamento que pode acender a luz amarela
é ele aceitar o colo de qualquer pessoa. "Com 8 meses, a criança costuma
estranhar quem não é do seu convívio e até chorar, mostrando que está
insatisfeita. Já um autista sente-se igualmente confortável com qualquer
um", lembra o psiquiatra.
O choro quase ininterrupto, uma inquietação
constante ou, ao contrário, uma apatia exacerbada também merecem atenção.
"Muitas vezes os médicos não observam a relação entre o bebê e as pessoas,
porque focam o aspecto orgânico", aponta Cristina Keiko Inafuku de
Merletti, psicóloga da ONG Lugar de Vida, especializada no acompanhamento de
autistas. Ela alerta que, quando o autismo é leve, exames
eletroencefalográficos, genéticos e de neuroimagem às vezes não acusam
alterações significativas. Daí, mais do que nunca, conta a percepção dos pais
no dia a dia.
Vale notar até mesmo se o pequeno se incomoda com o
toque, com alguns sons e com certas texturas de alimentos, o que chega a
dificultar demais a transição do leite para as comidas sólidas. Como o autista
tem os sentidos afetados, isso também costuma ocorrer.
Em casa, nota-se a ausência de fala, uma aparente
surdez e os movimentos pendulares estereotipados de tronco, mãos e cabeça. Já
os especialistas analisam transtornos de linguagem, de socialização,
comportamentos restritos e repetitivos. O espectro autista é diferenciado pelos
graus de comprometimento dessas características (saiba detalhes abaixo). A
doença atinge mais meninos - quatro para cada menina -, e metade dessas
crianças tem ainda algum retardo mental.
Muitas vezes são diagnosticadas enfermidades
associadas, como convulsões, e até epilepsia. Encrencas gastrointestinais são
igualmente comuns. Como não mostram o que sentem, principalmente a dor, os pais
devem ficar de olhos abertos. Crises de ansiedade e até a agressividade também
afetam o tratamento. Nesses casos, a medicação para tranquilizar é uma grande
aliada. Especialistas brasileiros e americanos já iniciaram os testes com o
hormônio oxitocina, ligado à afetividade, como alternativa.
As avaliações são individuais, mas as terapias
costumam ser feitas em grupos para estimular a socialização. Englobam o
acompanhamento comportamental, o pedagógico e o aprimoramento da comunicação.
"E, quanto mais cedo as intervenções forem iniciadas, maiores são os
progressos, principalmente nas relações afetivas, nas atividades diárias e
motoras", ressalta Daniel Messinger, líder do estudo americano.
Carolina Ramos Ferreira, coordenadora pedagógica da
Associação de Amigos do Autista (AMA), reforça que é importante dar
continuidade em casa ao trabalho realizado pelos especialistas. "É preciso
incentivar, ensinar a se vestir, a escovar os dentes e a comer sozinho. O
excesso de proteção pode fazer com que os pais bloqueiem ainda mais a autonomia
dessas crianças e jovens", alerta.
Família preparada
Portanto, o grande desafio é orientar a família.
Cristina Keiko, da ONG Lugar de Vida, acha que a mãe e o pai costumam receber a
notícia de forma inadequada, quase técnica, e transformam-se em pesquisadores,
deixando de perceber as nuances do desenvolvimento infantil. Aliás, muitas
entidades oferecem cursos para o aprimoramento dos pais, mas esses espaços
especializados são escassos para dar conta da demanda.
Com um bom acompanhamento, o autista pode ficar com
menos limitações e até frequentar a escola regular com alguém servindo de
apoio. Tudo vai depender do grau da deficiência. Por isso, a observação é
fundamental para captar detalhes valiosos que ajudam a entrar nesse mundo tão
especial.
Fugir de casa é mais um sintoma
Quase metade dos autistas americanos com menos de 4
anos já deu algumas escapadas. É o que revela um estudo do Instituto Kennedy
Krieger com 1,2 mil famílias. Na maioria das vezes, o que motiva essas crianças
é chegar a algum lugar específico. Os números são alarmantes, já que elevam o
risco de acidentes. Pelo menos 65% dos fujões foram atropelados ou quase
atropelados. Outros 24% sobreviveram a afogamentos.
Diagnóstico unificado em 2013
O manual americano psiquiátrico, usado como uma das
principais referências para doenças mentais, ganhará uma quinta e polêmica
revisão no ano que vem. Ele eliminará as diferenças das síndromes do espectro
autista - o nome Asperger deixaria de existir, por exemplo. Especialistas temem
que isso prejudique a investigação dos casos. "O risco é que os pacientes
sejam classificados com uma rotulação patológica muitas vezes equivocada",
alerta a psicóloga Cristina Keiko.
Entenda a diferença:
Autismo clássico
É uma pane neurofisiológica, que
cria obstáculos para o processamento cerebral. A sociabilidade é sempre
comprometida. Nos casos mais graves, a fala chega a ser afetada. Nos moderados,
há uma interação com o mundo, porém mais passiva.
Asperger
Menos grave, tem características
semelhantes às do autismo, como o interesse restrito por objetos e problemas de
socialização. Atinge sete meninos para cada menina. Mas, no caso, inteligência
e memória fora do comum roubam a cena.
Fonte:
http://saude.abril.com.br/edicoes/0358/familia/primeiros-sinais-pequeno-autista-725608.shtml
por Talita Eredia