No segundo episódio da série “Autismo, universo particular”, Dráuzio
Varella investiga os sinais do autismo e por que é tão difícil chegar a um
diagnóstico.
O ator Marcelo Serrado leva o drama do autismo para
os palcos e revive um personagem marcante do cinema: Rain Man, sucesso nos anos
80. “Fazer um autista é um presente para qualquer ator. Porque esses caras são
especiais”, diz o ator.
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Marcelo Serrado caracterizado como o Raymond de 'Rain Man' (Foto: Isac Luz/EGO) |
Como e quando o autismo se manifesta? Quais os
primeiros sintomas? E por que é tão importante começar o tratamento o mais cedo
possível?
O autismo se instala nos três primeiros anos de
vida, quando os neurônios que coordenam a comunicação e os relacionamentos
sociais deixam de formar as conexões necessárias. Embora o transtorno seja
incurável, quando demora para ser reconhecido, esses neurônios não são
estimulados na hora certa e a criança perde a chance de aprender.
Estudo mostrou que, enquanto nos Estados Unidos o
diagnóstico é feito antes dos 3 anos de idade, no Brasil o transtorno só é
identificado quando a criança já tem de 5 a 7 anos. Esse atraso agrava as
deficiências do autismo e traz mais sofrimento para as famílias.
“Questionário identifica possíveis sinais de
autismo”
O caso de Kevin
Há seis anos, Vera e Reginaldo procuram um
diagnóstico que os ajude a compreender os males que afligem o filho Kevin. Você
conheceu o Kevin no domingo passado. Vimos que ele se levanta diversas vezes,
de madrugada, pra tomar banho. Desde pequeno, o menino começou a apresentar
comportamentos peculiares.
Quando percebe que está chegando o momento de comer,
Kevin fica agressivo. O som do liquidificador é especialmente irritante no
autismo. Kevin se alimenta de papinha, ele recusa alimentos sólidos.
“A gente já foi em neuro, psiquiatra, psicólogo,
pediatra, clínico, tudo quanto é médico a gente já foi. Uns falam que é retardo
mental grave, outros falam que não. Tem médico que fala que ele não tem nada,
que pode ser uma birra, uma manha”, diz a mãe.
O neuropediatra Salomão Schwartzman analisou vídeos
de quando Kevin era bebê. Aos quatro meses, ele se comportava como qualquer
criança. Mas com um ano idade, ele já apresentava pequenos sinais de autismo.
“Fica olhando sempre na mesma direção. Ele não
explora mais o ambiente. E uma face sem muita expressão”, analisa o médico.
Foi somente no mês passado que a peregrinação
terminou. Kevin recebeu o diagnóstico de autismo - um diagnóstico tardio. A
demora em identificar o transtorno dificulta o tratamento. Depois de seis anos,
a família de Kevin pôde, finalmente, procurar ajuda especializada.
Kevin perdeu a oportunidade de receber tratamento
nas fases iniciais de seu desenvolvimento. Agora, será preciso muito trabalho
para correr atrás dos prejuízos.
“A gente sempre fala que a gente não vai ficar assim
pro resto da vida, como que será que vai ser ele sozinho? Quem vai querer
cuidar dele? Como será que vai ser a vida do Kevin? A gente se preocupa já com
isso. 'E complicado, né?”, diz a mãe de Kevin.
Sinais de autismo
Quais são os sinais típicos do autismo? Algumas
características podem ajudar você a desconfiar quando a criança tem autismo.
Desconfiar porque quem vai fazer o diagnóstico é o especialista.
Um dos sintomas mais comuns é quando a criança não
responde ao ser chamada pelo nome. A
criança parece surda. Você chama pelo nome, ela não responde.
Na presença de outras crianças, ela se isola. Não
participa de brincadeiras coletivas. Ela evita o contato físico. Você vai fazer
um carinho e ela se afasta. Parece que tomou um choque. É hiperativo. Anda pra
lá e pra cá, mexe em tudo, não para um minuto.
Mais uma característica marcante: não apontar com o
dedo para o objeto que quer alcançar.
Ela pega no seu braço e leva até ele, como se usasse
a sua mão como uma ferramenta.
A relação com os objetos - brinquedos, por exemplo -
é diferente do esperado. Ela usa os objetos de uma forma muito particular. Ela
pega um carrinho, vira ao contrário e é capaz de passar horas girando a
rodinha.
Também não sabemos por que, mas pessoas com autismo
parecem ter uma sensibilidade alterada. Podem cair no choro por causa de um
simples toque. Mas, às vezes, se machucam feio e não demonstram sentir dor.
Mesmo em dias muito frios, não se preocupam em se agasalhar.
A criança com autismo foge do contato visual. “Mesmo
às vezes na primeira mamada. E é o momento em que seguramente o bebê olha nos
olhos da mãe já com horas de vida. Algumas vezes você consegue detectar a falta
desse contato”, explica Salomão.
Hoje, testes clínicos permitem entender melhor essa
dificuldade.
O caso Gabriel
“O diagnóstico do Gabriel tem uns quatro anos mais
ou menos. Porque até então eu não sabia. Sabia que o Gabriel era um menino
especial”, conta a mãe do que menino que tem hoje 16 anos.
Nós fomos com ele fazer um teste. O programa de
computador registra para que ponto a pessoa está olhando quando vê uma figura
na tela.
“Quando você mostra numa tela um bebê e um relógio,
normalmente eles olham muito mais pro relógio. Eles não têm tanto interesse pra
olhar pro bebê. Quando você mostra um rosto, um de nós deve olhar pros olhos -
como eu estou olhando pro teu agora. Eles em geral olham pra outra parte do
corpo”, explica Salomão.
Ao ver uma foto, Gabriel mostrou que é capaz de
olhar nos olhos de uma pessoa. Mas revelou outro sintoma comum no autismo. Às
vezes, ele não consegue interpretar corretamente o contexto de uma cena.
No autismo, pode existir uma dificuldade em
interpretar figuras. “O que a gente imagina? Que provavelmente ele observa o
mundo de forma fragmentada. Se você somar essa dificuldade de visualizar o
contexto, mais as dificuldades que eles têm de linguagem, você começa a
perceber que o mundo deles é muito diferente do nosso”, observa Salomão.
De volta ao consultório, mais um teste com
Gabriel. Desta vez, para detectar se
Gabriel é capaz de reconhecer expressões faciais. Gabriel diz que está vendo
uma pessoa de boca aberta.
Para a maioria das pessoas, o reconhecimento é
intuitivo. Mas Gabriel demora, procurando pistas que o ajudem a entender o que
está vendo.
O caso Ana Beatriz
Dráuzio Varella foi até Santo André, na grande São
Paulo, para conhecer a Ana Beatriz, de 4 anos. “Eu fiz sete fertilizações pra
ter ela. Graças a Deus ela veio. Eu tive ela com 46 anos”, conta a mãe, Marinês
Câmera.
A mãe conta que Ana Beatriz nasceu prematura e se
desenvolveu normalmente até os 2 anos. Mas quando entrou na escola, a mãe percebeu
que tinha algo estranho, com 2 anos ela não falava.
Alguns bebês com autismo nem chegam a falar, é
bastante comum. Outros começam a pronunciar as primeiras palavras, mas de uma
hora para a outra regridem. Um choque para a família.
Apesar de não falar, Ana Beatriz é uma criança cheia
de habilidades - esperta mesmo.
Quando Dráuzio Varella esteve em sua casa, ela
mostrou que é capaz de entender números e organizar os brinquedos.
“Se você colocar fora da ordem, por exemplo, ela vai
lá, empurra tudo, e ela coloca na ordem”, explica a mãe.
Marinês sabe que a filha tem autismo, mas está cheia
de dúvidas quanto ao grau do transtorno.
“Ela entrou no consultório e me ignorou totalmente.
Isso já é uma coisa que chama um pouquinho a atenção, porque não é esperado
numa criança com desenvolvimento social típico”, aponta Salomão.
Ao ganhar uma caixa de brinquedos, Ana Beatriz reage
de forma inesperada. Em vez de brincar com os trenzinhos, ela começa a
organizá-los em fileira, cada um por tamanho e cor, todos voltados para a mesma
direção.
“Não é um brincar lúdico. Isso é uma organização, é
uma coisa sistemática. Eles são extremamente sistemáticos. O mundo da criança
com autismo é um mundo que ela tenta classificar, organizar, sistematizar”, diz
Salomão.
A avaliação, feita a nosso pedido, foi até certo
ponto tranquilizadora. “Ela não é um caso de autismo severo. Porque ela não
demonstra até agora uma deficiência intelectual. Ela demonstra claramente que
ela sabe o que quer fazer, identifica corretamente, organiza de forma
absolutamente racional”, explica Salomão.
No próximo domingo
Quais são as possibilidades de tratamento para quem
tem autismo?
É possível controlar os sintomas mais graves?
Domingo que vem, continuaremos nesse universo
particular.